"O silencio que precede uma tragédia".
Sempre ouvi essa frase, mas nunca a entendi. Naquele momento ao lado do
meu irmão eu não só a entendi como também vivenciei na pele o significado dessa
frase. Não sei se foram dez, quinze ou vinte segundos. Mas sei que foram os
segundos mais estranhamente silenciosos que já vivi. Eu estava ali sentado no
chão ao lado do meu irmão. Estávamos encostados em uma das caixas d’águas que
havia ali. Ao longe, mais ou menos uns duzentos metros estava à massa de
criaturas. Zumbis mortos vivos que tinham um único objetivo, nos matar. Meu
irmão segurava minha mão, na qual eu segurava uma arma. Eu tinha uma decisão
totalmente difícil de tomar. Estávamos encurralados, não tínhamos para onde
correr. Meu irmão não queria de jeito nenhum se tornar uma dessas criaturas, e
muito menos ser morto por uma delas.
De repente minha mente me levou para outro lugar. O ano era 2009 e
estávamos no inicio de fevereiro quando recebi a noticia. Eu estava no
escritório de uma antiga imobiliária na qual eu trabalhava quando meu tio me
ligou. A noticia de que meus pais haviam falecido num acidente de carro me
despedaçou. Fiquei sem reação alguma. Depois do enterro e de inúmeros
acontecimentos, veio à decisão mais difícil; Cuidar do meu irmão. O pobre
menino estava totalmente abalado e confuso com tudo o que estava acontecendo.
Eu tinha vinte e quatro anos, meu irmão tinha dezoito. Eu já era independente
há uns dois anos, mas meu irmão era totalmente dependente dos meus pais. Depois
de sentarmos e conversarmos por muito tempo, decidimos vender a casa dos meus
pais, o meu pequeno apartamento e comprarmos uma apartamento maior num condomínio fechado.
Porem o pior estava por vir. Uma revolta cresceu dentro de meu irmão. Uma
revolta na qual eu não sabia como agir. Foram tempos difíceis. Meu irmão não
vivia em casa. Às vezes saía e voltava três dias depois, totalmente largado,
bêbado e machucado por arrumar briga na rua. E pra não perder o costume brigava
comigo. Não trabalhava e não queria nada com nada da vida. Mas eu nunca desisti
dele. Nunca. Lutei para fazer ele voltar ao normal, procurei emprego para ele,
no qual ele ficava um dia, uma semana e largava. Levei ele em psicólogos,
psiquiatras. Às vezes não deixava ele sair na rua, com medo de que ele não
voltasse ou morresse em alguma confusão por ai. Eu não podia perder meu irmão.
Muito sofrimento depois ele começou a tomar o rumo certo. Conseguiu ingressar no exército, ganhou seu primeiro salario e tomou gosto pela coisa. Tirou carteira
de habilitação, comprou sua moto e começou a ser uma pessoa maravilhosa, como
sempre havia sido antes disso tudo. Nossa vida melhorou. Todo o dinheiro que
ganhávamos, gastávamos com coisas para nós. Vídeo games, notebooks, íamos a
jogos de futebol quase toda semana. Eu comecei a namorar e ele começou a ter um
rolinho com uma garota da vizinhança. A vida corria de uma forma tranquila e
calma.
Até que algo aconteceu uma certa noite em que às vezes parece que foram a milhares
de anos atrás. Meu irmão havia saído com seus amigos de fábrica para uma
confraternização numa pizzaria. Eu fiquei em casa com minha namorada até a hora
de leva-la embora. Eu estava no computador quando meu irmão chegou dando risada
e se despedindo de alguém no celular. Em seguida ele subiu e me contou uma piada
que um amigo o havia contado. Ele se encaminhou para o banheiro e tomou banho.
Saiu, navegou um pouco na internet, comeu alguma coisa e se deitou no sofá para
ver TV. Eu ainda estava no computador quando ele, quase pegando no sono, me
disse: Obrigado. Eu não entendi e perguntei; Por quê? Ele me respondeu: Por não
desistir de mim. Eu levantei e dei um beijo em seu rosto dizendo: Te amo cara.
Ele sorriu e virou de lado: Também te amo mano. Ele falou fechando os olhos.
Aquilo ficou marcado em meu coração.
De repente eu voltei...
Meu irmão ainda estava ao meu lado. De seus olhos corriam lágrimas de
sofrimento. Nosso momento estava chegando. Ele e eu ali sentados prontos para a
morte. Uma criatura já estava bem próxima. Um homem sem camisa e com o pescoço
dilacerado. Sua pele branca e magra deixava a mostra todas as suas veias
saltadas. De seus olhos manavam ira, ódio e anseio em nos pegar. Na cabeça
pequenos tufos de cabelo. Seu andar era desconcertado, mas incrivelmente
rápido. Afinal ele percebera que suas presas estavam indefesas. Olhei para meu
irmão e lamentei por aquele momento. Lamentei em fazer ele entrar naquela
fabrica comigo. Lamentei por tudo. Ele pegou minha mão e a levantou novamente.
A arma encostou em sua cabeça. Ao sentir aquele cano gelado ele chorou
novamente. Eu não aguentava ver aquela cena. Coloquei o dedo no gatilho e
fechei meus olhos.
- Obrigado. - disse meu irmão chorando.
- Por quê? - perguntei também em lágrimas.
- Por não desistir de mim. - ele respondeu.
Respirei fundo...
Atirei...
Escrito 20/08/2012 ás 10h45.
Taubaté-SP