36° Registro – Final da 1ª Temporada – Parte 2 de 2

"O silencio que precede uma tragédia".

Sempre ouvi essa frase, mas nunca a entendi. Naquele momento ao lado do meu irmão eu não só a entendi como também vivenciei na pele o significado dessa frase. Não sei se foram dez, quinze ou vinte segundos. Mas sei que foram os segundos mais estranhamente silenciosos que já vivi. Eu estava ali sentado no chão ao lado do meu irmão. Estávamos encostados em uma das caixas d’águas que havia ali. Ao longe, mais ou menos uns duzentos metros estava à massa de criaturas. Zumbis mortos vivos que tinham um único objetivo, nos matar. Meu irmão segurava minha mão, na qual eu segurava uma arma. Eu tinha uma decisão totalmente difícil de tomar. Estávamos encurralados, não tínhamos para onde correr. Meu irmão não queria de jeito nenhum se tornar uma dessas criaturas, e muito menos ser morto por uma delas.

De repente minha mente me levou para outro lugar. O ano era 2009 e estávamos no inicio de fevereiro quando recebi a noticia. Eu estava no escritório de uma antiga imobiliária na qual eu trabalhava quando meu tio me ligou. A noticia de que meus pais haviam falecido num acidente de carro me despedaçou. Fiquei sem reação alguma. Depois do enterro e de inúmeros acontecimentos, veio à decisão mais difícil; Cuidar do meu irmão. O pobre menino estava totalmente abalado e confuso com tudo o que estava acontecendo. Eu tinha vinte e quatro anos, meu irmão tinha dezoito. Eu já era independente há uns dois anos, mas meu irmão era totalmente dependente dos meus pais. Depois de sentarmos e conversarmos por muito tempo, decidimos vender a casa dos meus pais, o meu pequeno apartamento e comprarmos uma apartamento maior num condomínio fechado. Porem o pior estava por vir. Uma revolta cresceu dentro de meu irmão. Uma revolta na qual eu não sabia como agir. Foram tempos difíceis. Meu irmão não vivia em casa. Às vezes saía e voltava três dias depois, totalmente largado, bêbado e machucado por arrumar briga na rua. E pra não perder o costume brigava comigo. Não trabalhava e não queria nada com nada da vida. Mas eu nunca desisti dele. Nunca. Lutei para fazer ele voltar ao normal, procurei emprego para ele, no qual ele ficava um dia, uma semana e largava. Levei ele em psicólogos, psiquiatras. Às vezes não deixava ele sair na rua, com medo de que ele não voltasse ou morresse em alguma confusão por ai. Eu não podia perder meu irmão. Muito sofrimento depois ele começou a tomar o rumo certo. Conseguiu ingressar no exército, ganhou seu primeiro salario e tomou gosto pela coisa. Tirou carteira de habilitação, comprou sua moto e começou a ser uma pessoa maravilhosa, como sempre havia sido antes disso tudo. Nossa vida melhorou. Todo o dinheiro que ganhávamos, gastávamos com coisas para nós. Vídeo games, notebooks, íamos a jogos de futebol quase toda semana. Eu comecei a namorar e ele começou a ter um rolinho com uma garota da vizinhança. A vida corria de uma forma tranquila e calma.

Até que algo aconteceu uma certa noite em que às vezes parece que foram a milhares de anos atrás. Meu irmão havia saído com seus amigos de fábrica para uma confraternização numa pizzaria. Eu fiquei em casa com minha namorada até a hora de leva-la embora. Eu estava no computador quando meu irmão chegou dando risada e se despedindo de alguém no celular. Em seguida ele subiu e me contou uma piada que um amigo o havia contado. Ele se encaminhou para o banheiro e tomou banho. Saiu, navegou um pouco na internet, comeu alguma coisa e se deitou no sofá para ver TV. Eu ainda estava no computador quando ele, quase pegando no sono, me disse: Obrigado. Eu não entendi e perguntei; Por quê? Ele me respondeu: Por não desistir de mim. Eu levantei e dei um beijo em seu rosto dizendo: Te amo cara. Ele sorriu e virou de lado: Também te amo mano. Ele falou fechando os olhos.

Aquilo ficou marcado em meu coração.

De repente eu voltei...

Meu irmão ainda estava ao meu lado. De seus olhos corriam lágrimas de sofrimento. Nosso momento estava chegando. Ele e eu ali sentados prontos para a morte. Uma criatura já estava bem próxima. Um homem sem camisa e com o pescoço dilacerado. Sua pele branca e magra deixava a mostra todas as suas veias saltadas. De seus olhos manavam ira, ódio e anseio em nos pegar. Na cabeça pequenos tufos de cabelo. Seu andar era desconcertado, mas incrivelmente rápido. Afinal ele percebera que suas presas estavam indefesas. Olhei para meu irmão e lamentei por aquele momento. Lamentei em fazer ele entrar naquela fabrica comigo. Lamentei por tudo. Ele pegou minha mão e a levantou novamente. A arma encostou em sua cabeça. Ao sentir aquele cano gelado ele chorou novamente. Eu não aguentava ver aquela cena. Coloquei o dedo no gatilho e fechei meus olhos.

- Obrigado. - disse meu irmão chorando.
- Por quê? - perguntei também em lágrimas.
- Por não desistir de mim. - ele respondeu.

Respirei fundo...


Atirei...

Escrito 20/08/2012 ás 10h45. Taubaté-SP

35° Registro - Final da 1ª Temporada - Parte 1 de 2

- Gabriel, está me ouvindo? - chamou Mateus no walkie-talkie.
- Estou te ouvindo Mateus, pode falar. - respondi, ainda sem fôlego.
- Estou te vendo com o binóculo. O que esta fazendo no terraço do prédio?
- É uma longa história cara. - respondi, tentando não parecer que estávamos totalmente desesperados ali. - Só digo uma coisa: Estamos encurralados. O prédio está tomado de zumbis e estamos presos aqui em cima.
- Merda! - gritou Mateus no rádio.
- Mateus, precisamos pensar em como sair daqui. Qualquer coisa eu te chamo. - eu disse.
- Também vou pensar em algo. - falou Mateus.
- Nem pense em vir nos resgatar. Não seja estúpido. - falei.
- Você sabe que se eu tivesse com o braço normal, eu iria.
- Se você tivesse com o braço normal, estaria aqui conosco. Até mais Mateus. - falei, desligando o radio.

Assim que desliguei o radio dei mais uma olhada ao nosso redor. Realmente não havia nenhuma forma de sair daquele terraço. Que merda. E também seria questão de tempo para os zumbis estarem batendo em nossa porta. Meu irmão sentou-se ao lado de uma caixa d’água exausto. Eu o acompanhei e também sentei.

- Não vamos desistir mano. - eu disse, tentando animá-lo.
- Eu sei que não vamos. Mas estou com medo. - falou meu irmão.
- Eu também. Não somos super-heróis. Essa merda toda aqui está acabando com nosso psicológico, com nosso físico. Medo é uma coisa mais do que normal. - eu disse.
- Olha pra gente mano. - disse meu irmão. - Nós íamos à academia todo o dia. Tínhamos um corpo legal. Agora olha pra gente. Magrelos, secos.
- Cruel. Mas infelizmente esse é o nosso novo mundo. Não teremos uma refeição farta novamente. Temos que tentar sobreviver com o que temos. - comentei.
- Eu prefiro morrer de fome a virar uma dessas criaturas. - falou meu irmão.
- Ninguém vai morrer aqui. - eu disse colocando a mão em seu ombro.
- Não me deixe virar uma dessas criaturas Gabriel. Por favor, não deixe isso acontecer. - falou meu irmão começando a chorar.
- Eu não vou deixar. Te prometo. - falei.

Aquilo despedaçou o meu já quebrado coração. Junto com meu irmão também comecei a chorar. Nunca que eu deixaria isso acontecer com ele. Nunca. Naquele momento não pensamos em mais nada. Ficamos ali chorando abraçados. Descarregamos toda aquela tensão que nos cercava. Porem um barulho nos despertou daquele momento de comoção. Uma batida. As criaturas já estavam na ultima porta que nos separava delas. Ficamos sem reação. Não tínhamos para onde correr. Me lembrei de uma cena quando eu tinha meus dezessete anos. Um grupo de garotos correu atrás de mim para me baterem. Tudo por causa de uma garota da escola. Eles me cercaram num beco sem saída e naquele momento eu percebi que iria apanhar muito. Porem a policia surgiu do nada e mandou o grupo dispersar. Voltei para minha casa feliz e alegre por ter sido salvo pelos policiais. Porem ali não haveria policiais. Se houvesse, eles estariam no meio daquela massa de zumbis e estariam prontos para nos atacar. Não havia policia, nem exército e nem os escoteiros para nos salvar.

Segurei com força a mão do meu irmão. Estávamos a uma boa distancia da porta quando a vimos abrir sendo forçada contra a parede. O primeiro zumbi apareceu e olhou para o horizonte. Creio que ele não fazia nem ideia de onde estava. Mais três criaturas ficaram ao lado dele. De repente mais cinco, e mais, e mais. Deveria ter umas vinte ou trinta criaturas ali. Eles caminhavam sem rumo, tentando nos achar. Não tínhamos para onde correr e nem se esconder. Seriamos alvos fáceis assim que eles nos vissem, ou sentissem, sei lá.

Naquele momento meu irmão pegou em minha mão e a levantou junto com a arma que eu estava segurando. Seus olhos ainda estavam lagrimejando. Olhei para ele e entendi o que ele queria. Minhas mãos tremiam enquanto eu chorava ainda mais. Eu tinha que cumprir o que prometi para meu irmão. Ele não iria se tornar uma dessas criaturas. Mas para isso não acontecer, só restava uma solução.

Eu teria que matar meu próprio irmão...


Escrito 20/08/2012 ás 10h40. Taubaté-SP

34° Registro

Assim que abrimos a porta, nos foi revelado outro corredor. Dessa vez bem mais iluminado, pois as janelas ao fundo estavam quebradas fazendo a luz do sol entrar com maior quantidade. Seria uma cena bonita de se ver. A luz do sol sendo refletidas nos vidros espelhados que também havia ali, dando um tom lindo no restante do corredor pintado de azul. As empregadas da limpeza da fábrica teriam acabado de limpar o corredor, deixando aquele gostoso cheiro de limpeza. Aquele que anima qualquer um para um dia de trabalho. Seria uma cena bonita de se ver se não houvesse ali alguns “detalhes” tirados do fundo do inferno.

Primeiro que o cheiro não era nenhum pouco agradável. Seria totalmente nauseabundo se não estivéssemos acostumados com ele. Ao longo desse tempo aprendemos a conviver com esse cheiro de morte. Mas é claro que ele era horrível, e rapidamente cobrimos o nariz com a camiseta. Logo perto de nós, a menos de um metro e meio estava o primeiro corpo. Um rapaz que deveria ter mais ou menos minha idade. Vestia umas roupas estranhas. No pé faltava um sapato. Nas mãos a ferramenta do crime. Um revolver calibre 38 da cor preta. Na cabeça a marca do crime. Um tiro certeiro e sem dó. Um meio encontrado para se livrar de todo aquele terror. Na parede ao lado podíamos ver o sangue seco misturado com o cabelo do rapaz. Mas não era só aquilo. A cena se estendia pelo corredor. Havia mais cinco corpos com marcas de tiros na cabeça. Isso me fez pensar no que aconteceu ali? Com certeza aquelas seis pessoas encontraram somente um meio de se livrar daquilo tudo. Se matarem. O pobre do rapaz deveria ter sido o encarregado de disparar a arma e matar a sangue frio os seus colegas. Algumas pessoas até ficariam felizes em fazer isso. Mas aqueles foram momentos de terror, angustia e pânico. Por fim ele se sentou no fim do corredor e se matou. Merda. Deve ser totalmente horrível saber que a única solução para se livrar desse inferno é acabar com a própria vida. Espero não ter que chegar a esse ponto.

Lentamente caminhamos nos esquivando dos mortos no chão. Fora os barulhos que os zumbis causavam lá em baixo tentando abrir a porta, ali naquele corredor estava tudo quieto. Se houvesse alguma criatura ali, estaria bem escondida. Caminhamos até o final do corredor e nos aproximamos da janela quebrada. Olhamos para fora e entendemos o motivo daquela janela quebrada. No chão, lá em baixo, jaziam dois corpos. Os pobres coitados se jogaram para a morte certa. Ao lado eu reparei uma porta semiaberta. Olhei para o meu irmão e decidimos entrar. A iluminação ali era muito boa também e podíamos ver toda a sala. Era talvez uma sala de reunião com uma mesa oval ao centro, algumas cadeiras espalhadas, uma estante no canto e um quadro branco no fundo com algumas anotações. Mas o que nos chamou mais atenção foi um galão de água ao lado da estante. Corremos até ele e bebemos até ficarmos entupidos. A água descendo minha garganta era revigorante. Senti como se minhas forças tivessem voltando, ganhando vida novamente. Na estante ao lado havia três barras de cereal envoltas de um papel escrito “Jorge”. Creio que ele não iria reclamar de pegarmos elas. O pobre homem deveria ser um daqueles com o miolo estourado, ou espatifado lá embaixo. Horrível. Rapidamente comemos duas barras de cereal. Não eram totalmente deliciosas, mas naqueles dias qualquer coisa comestível era bem-vinda. Totalmente bem-vinda. Coloquei a outra barra de cereal em meu bolso e dei meia volta pra sair daquela sala. Foi quando ouvimos o enorme estrondo vindo do andar de baixo. Não precisamos ir verificar para saber o que estava acontecendo. As criaturas estavam subindo.


Precisei pensar rápido, mas rápido mesmo. Não poderíamos correr o risco de ficarmos presos naquele andar, pois seria a morte na certa. As paredes eram de vidro e como se mostrou no andar de baixo, se quebram facilmente. Foi então que me lembrei da outra porta metálica. Aquela que não entramos, nas escadarias. Puxei meu irmão e saímos correndo, como se o próprio capeta estivesse atrás de nós. Assim que abri a porta avistei a primeira criatura subindo as escadas. Estava sozinha ali, mas logo abaixo umas quinze criaturas começavam a subir as escadas. Para atrasá-los eu atirei no zumbi mais perto o fazendo cair e rolar degrau abaixo. Meu irmão já havia aberto a porta e eu fui logo em seguida. Ali havia mais um lance de escadas e mais uma porta metálica, que eu sabia exatamente onde iria dar.

Assim que abrimos a outra porta nos deparamos com o terraço do prédio. Um enorme terraço. Ali havia duas caixas d’água, uma coisa que deveria ser a caixa de energia do prédio, cercada de grades e mais nada. Um enorme espaço vazio. Rapidamente procuramos uma escada de incêndio, mas não havia nenhuma. Se os zumbis chegassem até ali, e com certeza chegariam, teríamos uma única opção. Saltar. E se saltássemos teríamos um único destino. A morte.

Estávamos encurralados.

Escrito 20/08/2012 ás 10h35. Taubaté-SP

33° Registro


O medo, o desespero, a angustia, o pavor, o pânico, a constante sensação de estar em perigo e de que a qualquer momento podemos nos ferrar estão fixadas a nós desde que todo esse inferno começou. Mas quando entramos naquele prédio naquela fábrica, não tivemos tempo de sentir isso. Foi tudo muito rápido. Muito mesmo.

Ao virar a lanterna para uma das paredes, me deparei com um vidro espelhado. Não era só ali, e sim no corredor inteiro. A parede subia até um metro e meio e o restante era de vidro espelhado até o teto. Isso seguia até o final do corredor. Com certeza eram salas administrativas. Era um corredor grande e no meio se dividia para os dois lados. Assim que nos aproximamos da divisão dos corredores ouvimos um forte barulho. Olhamos para trás e vimos um dos vidros se espatifar no chão. Ao apontar a lanterna vi um corpo sendo lançado para fora da sala. De repente foram mais dois corpos que saltaram para fora. Outro vidro quebrou do outro lado e mais zumbis se lançaram para dentro do corredor. Ameaçamos sair correndo quando atrás de nós também aconteceu o mesmo. Estávamos cercados.

- Temos que subir! – gritei.

Corremos para a esquerda, na pura adivinhação de que a escada seria por ali. Apontei a lanterna e agradeci ao ver uma porta metálica com o sinal de “escadaria”. Gustavo não pensou duas vezes e avançou contra a porta. Os próximos três segundos quase fizeram nosso coração parar. Gustavo deu um tranco na porta que não se abriu. Eu me virei e dei o primeiro tiro, mas errei. Foi então que meu irmão percebeu seu erro. Aquela porta abria para dentro e não para fora. Então ele puxou a enorme maçaneta de ferro e a porta se abriu com um som totalmente pesado. Fazia tempo que aquela porta não era aberta por ninguém. Assim que ameaçamos entrar, eu senti uma mão deslizar sobre minhas costas, mas não me virei para descobrir quem era. Talvez a criatura quisesse somente um abraço, mas eu não estava no clima naquele momento. A enorme porta metálica se fechou atrás de nós e logo em seguida inúmeros zumbis se amontoaram nela para abrir. Fiquei imaginando quanto tempo eles demorariam a perceber que ela só iria se abrir para o lado de dentro. Mas eu não estava a fim de ficar ali para descobrir. Olhamos e vimos à escada bem na nossa frente. A luz solar ali entrava perfeitamente, dando para ver todo aquele lugar. Era uma escada enorme com dois patamares, iguais as escadas da faculdade, porem maiores. No primeiro lance da escada havia cerca de dez degraus, então virávamos para a direita e subíamos mais dez. Ali não havia uma alma viva, ou morta. Mas isso não iria garantir que do outro lado, no outro andar, não houvesse. Ali havia duas portas metálicas. Teríamos que escolher uma. Mas independente disso precisávamos subir, pois eram os únicos caminhos livres. Ou não.

***

Demoramos pouco mais de quatro minutos para decidirmos em cruzar a próxima porta e irmos para o próximo andar. Durante aquele curto tempo eu tentei imaginar o que poderia ter acontecido naquela fábrica para ter tantas criaturas reunidas ali dentro. Nenhuma explicação lógica veio em minha mente.

Com esses pensamentos vazios na cabeça, meu irmão e eu paramos em frente à porta que escolhemos atravessar. Respiramos fundo e puxamos a maçaneta.


Ali tivemos outra desgraçada surpresa.

Escrito 20/08/2012 ás 10h28. Taubaté-SP

32° Registro


Escrevo isso enquanto tento recuperar minhas forças. Se meu senso de distancia ainda funciona, creio que estejamos parados a uns novecentos metros da fábrica. De cima do caminhão eu consigo ver a fábrica perfeitamente. Realmente era uma fábrica, como imaginávamos. Vejo o portão principal, as grades em volta, os galpões e os prédios. E eles... Aqueles desgraçados... Malditos. Sobre a fábrica... Ela está longe de ser um refúgio. Muito longe.

Mais uma vez estou me antecipando aos fatos.

Assim que vimos à torre da fábrica ao longe e decidimos ir até lá, partimos em direção ao nosso novo destino. Dirigimos até começar a anoitecer e paramos para dormir. No dia seguinte partimos novamente. Não era tão perto como imaginávamos e isso nos causou aflição, pois o combustível do caminhão poderia acabar a qualquer momento. Porem nós vimos surgir ao longe à torre da fábrica, nos fazendo acreditar que iriamos conseguir. Ou pelo menos chegarmos próximos.

As duas coisas aconteceram. Chegamos próximos da fábrica, mas o combustível do caminhão acabou. Estávamos a cerca de mais ou menos um quilometro da entrada da fábrica. Porem nós mal podíamos enxergar a fábrica de onde estávamos no caminhão. E qual foi nossa ideia? Ir lá checar e ver se nós poderíamos entrar com todos.

Mateus, que estava com o braço quebrado não poderia ir. Eu já estava começando a me preocupar com o braço dele. Estava com uma cor roxa totalmente fora do normal. Precisávamos fazer alguma coisa. Mas isso ficaria para outra hora. Depois de pensarmos muito, mais uma vez decidimos que meu irmão e eu deveríamos ir. E lá fomos nós. Cada um estava levando uma arma, uma lanterna e um rádio walkie-talkie que meu irmão havia pegado do quartel. Até aquele momento ele não havia sido útil em nenhuma ocasião. Mas agora parecia que iria ser, pois poderíamos nos comunicar com Mateus, que ficaria no caminhão. Então, com aqueles objetos na mão, partimos.

Demoramos alguns minutos até chegarmos ao portão da fábrica. Ela era toda cercada por uma grade de mais ou menos três metros. O portão principal deveria ter seus dois metros e era automático. Então, teríamos que pular. Na torre de uns vinte metros estava escrito “Plastic”. Não conhecia nenhuma fábrica com esse nome em Taubaté. De onde estávamos podíamos ver dois enormes prédios pintados de azul e mais dois enormes galpões. Os prédios deveriam ser da parte administrativa da fábrica, enquanto os galpões deveriam ser a área de produção. Não pensamos duas vezes e pulamos. No meu relógio marcava oito e meia da manha. Teríamos tempo suficiente para vasculhar a fábrica antes que anoitecesse.

Caminhamos tranquilamente até um dos enormes prédios. Ele tinha cerca de dez janelas em cada lado e três portas de entrada e saída. Uma na frente, outra atrás e uma a esquerda de quem entrasse pelo portão principal. O prédio tinha dois andares, mas era enorme em extensão. Assim que nos aproximamos da porta principal, percebemos que estava semi-aberta. Olhamos um para o outro e estranhamos. Eu abri a porta lentamente. Ali foi revelado um enorme corredor escuro. Meu instinto me levou a procurar o disjuntor para acender a luz. Idiota. Mas uma vez fui enganado pelos instintos básicos de um ser humano. Com as armas e as lanternas nas mãos entramos no prédio.

Não conseguimos dar nem três passos e ouvimos um barulho. Como se uma coisa tivesse caído.

Não estávamos sozinhos.

Escrito 20/08/2012 ás 10h15. Taubaté-SP

31° Registro


Aos poucos estamos sendo afetados pelos males que tudo isso está nos causando. Os efeitos de se viver constantemente com medo e pânico estão aparecendo aos poucos. Porcaria.

Eu não via esperança em lugar algum. De um lado um caminhão, nossa esperança de fugir daquele inferno. Porem totalmente trancado. Do outro lado cerca de quinze a vinte zumbis com sede em nos matar. Aquilo seria o fim. Mas pra nossa sorte eu fui atacado por um zumbi. Sim, sorte. Como posso escrever isso? Acho que estou ficando louco com o passar do tempo. Cada um acha o que quiser, mas eu creio que foi sorte.

Eu estava junto ao meu irmão atirando nos zumbis que se aproximavam. Foi quando um zumbi apareceu do nada por detrás de mim. Era um rapaz magrelo e loiro e vestia um macacão azul desbotado. Seu horrível gemido o impediu de me pegar de surpresa. Assim que me virei, sua boca já estava aberta e o bote já havia sido dado. Me esquivei por pouco, fazendo o maldito morder o ar. Segurei seu pescoço e dei uma joelhada em sua barriga, em seguida o joguei no chão. Atirei e matei aquele desgraçado. Eu já estava me virando para atirar nos outros zumbis quando percebi algo. Olhei para o zumbi morto, ao lado do outro zumbi que havia mordido meu tênis. Os dois tinham algo em comum. O macacão azul desbotado. Olhei no peito dele e vi o emblema. O mesmo emblema que estava estampando na lateral daquele caminhão. Os desgraçados eram os donos do caminhão. Corri rapidamente e comecei a fuçar o bolso dos dois. Então encontrei. A chave do caminhão. Meu coração disparou e eu abri um leve sorriso. Mas a felicidade tinha que esperar um pouco. Aquele momento não era hora de sorrir e comemorar.

Gritei para meu irmão e entramos rapidamente no caminhão. Ao colocar a chave no contato meu coração gelou. E se o maldito caminhão não funcionasse? Meu irmão e eu estaríamos presos ali para sempre. Girei a chave com os olhos fechados e dizendo um, "por favor", bem baixo. O som foi como uma linda musica entrando em meus ouvidos. O som do motor funcionando. Engatei a primeira marcha e naquele momento agradeci meu velho tio por ter me ensinado a dirigir um caminhão. Meu tio. Espero que onde quer que ele esteja, esteja seguro e não transformado em uma dessas criaturas.

Avancei com o caminhão em direção ao prédio. Era hora de salvar meus amigos.

Felizmente essa foi a parte mais fácil de ser executada. Todos estavam esperando prontos para partir. Rapidamente jogamos as coisas na traseira do caminhão e partimos.
  
***

Agora estamos parados num local descampado, próximos a uma grande árvore. Estamos cercados de montanhas e mato. Não faço nem ideia de onde estamos. Não sei nem se ainda estamos dentro dos limites de Taubaté. Conseguimos sair com o caminhão e salvar nossos amigos que estavam nos aguardando nos fundos da universidade. Partimos sem rumo em direção a uma estrada que passava por ali.

A parte detrás do caminhão revelou mais coisas ainda. Amontoados no fundo, ainda na embalagem, havia seis colchões novos em folha. Mais ao canto também dois galões de vinte litros de diesel.  Com eles conseguimos andar por três dias. A parte ruim da história foi que andamos sem rumo, sem destino. Não conseguimos encontrar estrada asfaltada e muito menos civilização. Nem de vivos, nem de mortos. Por diversas vezes encontrávamos a estrada bloqueada por uma ponte quebrada, um deslizamento de terra ou algo do tipo e tínhamos que voltar tudo de novo. Creio que por muitas vezes andamos em círculos e não saímos da mesma região. O combustível está acabando e cremos que poderemos andar mais ou menos uns dois quilômetros antes de acabar por completo. Eu tive uma ideia hoje pela manha e vamos tentar executá-la. Vamos subir até o pico da montanha mais próxima e tentar olhar ao redor. Precisamos nos situar. A desorientação está acabando com a gente. E ainda temos muitos outros problemas. Agora eu vou sair com me irmão para irmos até a montanha. Mateus vai ficar cuidando das mulheres e do pequeno Diego, que desde que o resgatamos naquela sala, não fala uma palavra. Deve estar sofrendo muito. Que triste...

***

...Acabei de voltar da montanha. Foi cansativo, muito cansativo. Porem nós conseguimos ver algo além de mato e montanha. Uma torre. Talvez de uma fábrica ou algo do tipo. Está muito longe. Até pelo binóculo não conseguimos ver direito, mas Mateus disse que temos que ir até lá, pois podemos encontrar um novo refúgio ou até uma rodovia. Eu concordo, pois precisamos mesmo. Como eu havia escrito antes, estamos com muitos problemas. Um deles é a falta de comida e água. Temos aqui o suficiente para mais uns três dias. E isso economizando ao máximo. Outra coisa, Sofia amanheceu com febre. Não temos remédio algum. Nem pra dor de cabeça. Todo esse desespero, essa preocupação com essas criaturas nos fizeram esquecer coisas simples como febre, gripe, resfriado e outras coisas comuns que podemos pegar no dia a dia. Bruna e Mateus estão sofrendo calados com seus machucados. Bruna está com uma torção no tornozelo e Mateus com o braço quebrado. Não temos antibióticos e nem anti-inflamatórios. Tememos qualquer problema com um dos dois. Complicado.

Vamos aproveitar o fim da tarde e avançar mais um pouco com o caminhão. Assim que começar a anoitecer, nós paramos como sempre. Não queremos arriscar dirigir de noite.

Escrito 19/08/2012 ás 17h10. Taubaté-SP

30° Registro - A Universidade - Parte 7 de 7


Escrevo isso enquanto terminamos de nos preparar para fugir. Não temos escolha. Se algo acontecer, e vai acontecer, estaremos encurralados.

Como eu havia escrito antes, foram inúmeras coisas que nos trouxeram a esse momento. Como atirar em zumbis no meio da noite e matar o pobre Carlos lá fora. De alguma maneira esses malditos são atraídos pelo som. Eles estavam em algum lugar quando ouviram o tiroteio. Isso foi o suficiente. Já estavam a caminho. Não sei se eles encontrariam alguma hora o local, mas nós facilitamos metendo uma bala na cabeça de Carlos. Aquele tiro foi como colocar um outdoor bem grande escrito: Carne fresca aqui!

Malditos.

Eles são muitos, muitos mesmo. Estão onde jaz o corpo de Carlos estirado no chão com os miolos estourados. Não tivemos muito tempo para pensar. E naquele momento eu me arrependi de não ter testado aquele caminhão que está próximo aos outros prédios. Ele seria de uma grade ajuda, mas tinha um problema: Poderia não estar funcionando. Merda.

A cada momento eu sinto que aquela cerca vai vir abaixo. Se isso acontecer estamos mortos. Não tem saída por qualquer outro lugar do prédio. As janelas são totalmente estreitas para passar uma simples criança. A única entrada e saída é a grande porta da frente.

Temos um plano e vamos executá-lo.

Mateus está me chamando. Chegou a hora. Estou tremendo de medo como sempre. Não quero morrer. Deus do céu.

Maldito inferno.

***

3 dias depois...

***

Foi um inferno, um pesadelo. Isso não é como nos filmes onde o herói faz coisas incríveis e salva todo mundo. Graças a Deus estamos todos salvos, mas não fizemos nada de incrível. De jeito nenhum. Só fizemos o necessário para sobreviver.

Enfim... Estou me adiantando aos fatos. Vou relatar o que aconteceu quando planejamos fugir do prédio.

Estávamos prontos para fugir. Aquela era a hora e não poderia ser mais adiada. Todas as coisas foram organizadas e preparadas. No prédio achamos uma sala de limpeza e lá pegamos alguns sacos de lixo que seriam utilizados para levarmos nossos mantimentos e algumas outras coisas. Tudo foi muito corrido, mas bem pensado. Mas faltava a parte mais complicada do plano. E a parte mais complicada do plano era executá-lo.

Ele não era simples. Nem um pouco simples. Qualquer movimento errado causaria na morte de cada um ali. A função de Mateus era atrair as criaturas o mais longe possível do portão principal, pois ali seria nossa rota de fuga. A minha função e a do meu irmão era irmos até o caminhão e o trazermos até aqui. Isso se ele tivesse funcionando, pois como eu escrevi não havíamos verificado antes. Se não tivesse, infelizmente seria uma correria desgraçada.

Havia chegado a hora. Mateus estava pronto. Assim que ele saiu e apareceu do lado de fora, os zumbis começaram a se agitar. Aquilo era totalmente perigoso, pois eles (os zumbis) poderiam se exaltar e derrubar a grade fácil, fácil. Mateus começou a caminhar para trás do prédio chamando a atenção dos malditos zumbis. Era nítido que eles vieram do quartel, pois no meio deles havia muitos militares. Meu irmão reconheceu muitos deles.

O plano estava funcionando. Os zumbis foram dando a volta atrás de Mateus, o seguindo pela grade. Já no fundo ele deu dois tiros para chamar ainda mais a atenção dos zumbis. Quinze minutos depois meu irmão e eu estávamos prontos para a nossa parte no plano. Abrimos a porta e corremos para o portão. Por perto não havia nenhum zumbi. Saltamos e corremos para o local onde estava o caminhão. No caminho apareceram alguns zumbis dentre as arvores. Aqueles desgraçados se movem muito rápido quando querem. Eu tive que me esquivar rapidamente de um e atirei no outro mais ao lado. O tiro chamou a atenção de uns quinze zumbis que estava por ali. Droga, precisávamos correr.

Meu irmão correu mais e se aproximou do caminhão.

- Trancado! – gritou ele para meu desespero.

Eu então corri e dei a volta para verificar a porta do passageiro. Foi então que dei de cara com ele. Um maldito homem estirado no chão. Não tinha as duas pernas e estava totalmente mutilado. Mas estava vivo o suficiente para agarrar meus pés. O maldito abocanhou meu tênis com muita força. Eu atirei e o matei. Entrei em desespero e tirei meu tênis. Nem me notei que em poucos segundos estaríamos cercados por zumbis. Olhei e vi que ele havia rasgado, mas não o suficiente para me tocar. Que sorte. Sorte. Que palavra vazia nos dias de hoje. Então conferi a porta do passageiro. Trancada. Estávamos perdidos.

Meu irmão começou a atirar nos zumbis que se aproximavam. Eu não sabia o que fazer. Nossa única esperança de sobreviver estava indo por água abaixo. Por cerca de cinco segundos eu cogitei pegar meu irmão e fugir dali, só nós dois. Mas rapidamente tirei isso da minha cabeça. Pessoas estavam contando conosco. Não podíamos deixa-las para trás. Soquei a porta do caminhão de raiva. Lagrimas correram pelo meu rosto enquanto meu irmão abatia um zumbi próximo a nós.

Aquele seria nosso fim.

Escrito 19/08/2012 ás 06h40. Taubaté-SP

29° Registro - A Universidade - Parte 6 de 7


Fizemos besteira e comprometemos nosso refugio. Agora pode ser que tenhamos que sair urgentemente daqui. Temos alguns planos caso seja necessário sair às pressas. Pode ser um tiro no escuro, mas precisamos tentar.

Creio que tudo começou quando nós decidimos sair do prédio e procurar a cantina da faculdade. Precisávamos ir até lá. Nossos estoques de alimentos já estavam se esgotando. Segundo Bruna, a cantina ficava próxima ao prédio que dava para ver daqui. Ele estava a uns quatrocentos metros mais ou menos. O plano seria simples: Meu irmão e eu iriamos até lá e pegaríamos o que conseguíssemos carregar. Caso fosse preciso voltar, voltaríamos.

Não foi difícil. Saltamos o portão e seguimos para o local da cantina. Era uma estrada de terra, cercada por algumas arvores. Ao nos aproximarmos do prédio vimos à cantina com a aquela porta corrediça de aço aberta. Encontramos muitos salgadinhos e bolachas, além de algumas garrafinhas de água, totalmente quentes por causa da falta de energia. Pegamos também alguns doces e voltamos. Assim que estávamos saindo, meu irmão viu algo e parou.

– Gustavo? Algum problema? – perguntei

Ele ficou olhando para um dos prédios. Parecia ver algo que eu não conseguia ver.

– Ali, do lado do segundo prédio. – disse ele, apontando algo.

Eu fiquei olhando e vi. Eu não acreditava no que estava vendo e sai correndo. Era mesmo o que eu estava pensando. Um caminhão de transporte. Um grande caminhão por sinal. Deveria ser um caminhão que trazia coisas para a universidade. A transportadora se chamava “2 irmãos”. Olhei para Gustavo e sorri por causa da grande coincidência.

– Verificamos se está funcionando? – perguntou meu irmão.
– Agora não. Precisamos levar as coisas. – eu respondi.

Como eu iria me arrepender depois por não ter testado aquele caminhão naquele momento.

***

Assim que chegamos ao portão do nosso prédio. Nosso prédio. Engraçado falar isso. Parece que tomamos posse do território. Que grande ilusão. Enfim... Assim que chegamos ao portão, meu irmão saltou para o outro lado enquanto eu fui passando as coisas para ele. Assim que eu me empoleirei no portão e fui saltar, nós o vimos. Ele foi saindo do meio da mata, vagando sem destino. Carlos. Ele não percebeu nossa presença. Corremos para um canto para não sermos vistos e ficamos observando o pobre homem transformado em zumbi. Ele foi caminhando, caminhando até bater na cerca do prédio. Aquilo foi uma surpresa para ele. Ele começou a balançar a cerca e a gemer.

Então entramos sem fazer o mínimo de barulho. Ao chegarmos ao auditório percebemos que os outros também já tinham visto Carlos pela janela. Sofia já chorava mais ao canto. Ficamos conversando sobre o que fazer. Então chegamos a uma conclusão. Precisávamos dar um jeito na criatura.

Porem, nós não fazíamos ideia de que aquilo traria uma enorme consequência.

***

Assim que decidimos o que fazer com Carlos, que estava na grade do prédio gemendo que nem louco, nos preparamos para executar o plano. Era bem simples e não traria nenhum perigo para nós. Deus do céu, como nós estávamos enganados.

O plano era o seguinte: Ir até lá e infelizmente matar o pobre homem. Sofia chorou muito, mas entendeu que aquilo seria necessário. Não poderíamos deixa-lo ali, gemendo e balançando a grade. Mesmo ele não podendo fazer nada para entrar, teríamos que fazer algo. Mateus, meu irmão e eu fomos até o pátio onde estava Carlos. Assim que ele nos viu enlouqueceu. Começou a agitar ainda mais forte a grade. Sua aparência era horrível. O local em que ele havia sido mordido estava todo preto em volta, podre. Sua pele estava começando a enrugar, a apodrecer. A boca estava cheia de sangue e toda ressecada. Talvez ele tenha encontrado alguma refeição no caminho. Que triste. Seus olhos continuavam cinzas e vermelhos de sangue enquanto as veias saltavam pelo corpo inteiro. Sua cor era totalmente pálida. Realmente um morto. O único fato fora do normal era que ainda estava vivo. Ainda. Mas o fato mais curioso era: como ele tinha saído da viatura militar? Quando o deixamos lá, ele não conseguia nem se mexer. Agora estava na nossa frente totalmente livre.

Meu irmão se voluntariou para atirar em Carlos. Eu não discuti tal decisão. Afinal não sei se teria coragem de fazer isso. Mesmo tendo passado pouco mais de dez dias com Carlos.

Então ele atirou. O som do tirou soou como um tiro de bazuca em meio ao silencio absoluto que ali fazia. Isso me incomodou e muito. Senti um peso no coração, minhas mãos começaram a tremer. Lembrei-me da noite em que abatemos aquelas criaturas no corredor da universidade. Os inúmeros tiros, os barulhos causados por eles. O silencio era total, fazendo com que os sons dos tiros se propagassem ainda mais. Com certeza ouviram os tiros. E com certeza ouviram esse também. E naquele momento aquela mesmo sensação que tive no quartel, de que em algum momento não estaríamos mais sozinhos, voltou.

Eu estava certo. Poucas horas depois, eles apareceram. Dezenas, centenas deles.

Estávamos cercados.

Escrito 16/08/2012 ás 08h10. Taubaté-SP

28° Registro - A Universidade - Parte 5 de 7


Ainda naquela noite, uns trinta minutos depois que havíamos voltado para a sala de aula, meu irmão acordou. Sua cabeça doía muito e ele não parava de reclamar disso. Fique feliz em saber que havia sido só uma pancada. Depois daquilo, a noite se passou. Não ouvimos mais nenhum barulho. Nada.

Ao amanhecer, decidimos rapidamente por voltar àquele lugar. Não podíamos demorar muito. Poderiam ter mais zumbis. Mateus havia acordado com o braço muito roxo.  Naquele momento Sofia entrou em ação. Ela era auxiliar de enfermagem. Rapidamente diagnosticou nosso amigo. Quebrado. Sim, seu braço estava quebrado bem acima do pulso. Mateus estava fora de ação, e aquilo era uma merda, pois ele estava sendo muito útil para nós. Com isso, meu irmão e eu voltamos para o terceiro andar.

Ali vimos os zumbis mortos. O cheiro podre impregnado no ar. O inferno.

Percebemos que eles haviam saído de uma porta no corredor direito. Nos aproximamos dela. Era uma sala de aula como a que estávamos. Porem havia algo mais. Um maldito zumbi dentro dela. Ele estava próximo a uma porta nos fundos. Essa porta também existia na nossa sala. Era um tipo de lugar que guardavam os materiais de aula e outras diversas coisas. A porta estava fechada e o zumbi estava bem ao lado dela, totalmente alheio a nossa presença. Dei sinal para meu irmão avançar por um lado e eu por outro. Fora isso a sala estava vazia, mas totalmente horrível. Marcas de sangue por todos os lados. Cadeiras e carteiras caídas, como se uma luta houvesse ocorrido. Ao canto um lençol estendido com comida e água em cima. Quase no centro da sala havia uma pessoa morta. Sim, morta. Era um homem. Tinha um buraco na cabeça, provavelmente um tiro, pois ao seu lado, no chão, havia uma espingarda jogada. Meu irmão afastou uma cadeira e isso chamou a atenção do zumbi. Um senhor vestindo um paletó marrom e uma calça social preta. Era meio careca e tinha uma mordia embaixo da orelha. Ele foi se aproximando de meu irmão. Porem as carteiras atrapalhavam seus movimentos. Eu me aproximei alguns metros e atirei sem pensar duas vezes. Eu estava melhorando naquilo. O tiro acertou em cheio a testa do pobre senhor. Ele se espatifou no chão e caiu esticado. Morto. Definitivamente morto.

– Pronto. Está acabado. Acho que é só isso. – disse para meu irmão.

Estávamos saindo da sala quando ouvimos. Um grito. Não era um grito qualquer, como o de uma criatura. Era um grito mesmo. Um pedido de socorro. Alguém estava gritando por socorro. Fomos correndo para sair da sala e olhar pela janela quando ouvimos de novo. Não vinha de fora. Vinha de dentro, e de dentro daquela sala.

– A porta dos fundos! – gritei para meu irmão.

Corremos e nos aproximamos da porta.

– Tem alguém ai? – gritei batendo na porta.
– Socorro! – alguém do lado de dentro gritou. Provavelmente uma mulher.
– Abra a porta! – eu gritei. – Você está segura agora.
– Não consigo! Você vai ter que abrir a porta na força. – gritou a mulher.
– Se afaste da porta moça! – disse meu irmão.

Alguns segundos depois ela respondeu.

– Podem abrir.

Gustavo e eu começamos a chutar a porta, até conseguirmos abrir. Aquela sala nos revelou uma surpresa. Uma moça, da idade de Amanda mais ou menos, e um menino. Uma criança ainda, com seus sete ou oito anos de idade. Os dois olhavam para nós com ar de surpresa. Havíamos encontrado dois sobreviventes.

***

Incrível como encontrar sobreviventes nos dias de hoje nos traz uma paz muito grande. Uma alegria incomparável.

Ao olharmos para os rostos daquelas duas pessoas dentro daquele armário, nossos olhos se encheram de lagrimas. Havíamos salvado duas vidas. Aquilo alegrou meu dia de uma forma tremenda. Ambos estavam fracos e exaustos. O armário estava totalmente fedido. Cheirava a urina e muitas outras coisas que não tenho nenhum interesse em escrever. No chão havia saquinhos de salgadinhos vazios e embalagens de muitas barras de chocolate. No canto havia dois baldes que creio que eles estavam usando para fazer suas necessidades. Mais ao canto seis garrafas de água de um litro. Todos vazios. Era nítido no rosto deles a fome e a sede. Os dois estavam fedendo. A menina, Bruna, estava com o tornozelo muito inchado. Eu a ajudei a levantar, enquanto meu irmão ajudou o menino, Diego. Assim que os tiramos do armário, tampamos seus olhos para que não vissem o que havia acontecido ali. Com certeza os mortos eram conhecidos. Provavelmente parentes. Não conversamos nada até chegarmos à sala, para a surpresa de Mateus e dos outros. Imediatamente foram nos ajudar. Sofia rapidamente examinou o tornozelo da garota e disse que estava com uma simples torção. Amanda pegou dois pacotinhos de arroz, tirados da ração militar, e deu para os dois comerem. A vontade que eles avançavam contra aquela comida era de cortar o coração. Com certeza estavam com muita fome. Depois de darmos comida e água para eles, lhe dissemos que eles poderiam tomar um banho, se quisessem. Aquela noticia agradou muito os dois, que rapidamente foram tomar banho. Depois de nos reunirmos novamente, Bruna começou a contar a história dela e de seu irmão menor, Diego. E era uma história horrível.

A mãe de Bruna e Diego era uma das faxineiras da escola. O pai era o “faz tudo”. Cuidava das diversas coisas relacionadas ao campus da faculdade. Como eles prestavam serviço para a faculdade, eles moravam numa casinha do outro lado desse prédio, aonde vimos outros prédios mais ao longe. A família não morava muito longe dali. Umas fazendas mais ao sul pertenciam a seus tios e primos. E ela conta que tudo começou mais ou menos há cinco dias. Isso me deixou curioso, pois para nós faz bem mais tempo. Perguntei se ela havia ouvido algum barulho relacionado a tiros e explosões há alguns dias atrás. Ela contou que ouviu, mas sua família achou que fazia parte de algum treinamento do quartel.

Talvez eles tivessem isolados no meio desse inferno todo. Mas isso não impediu que chegasse até eles. Ela contou que estava dormindo quando ouviu uma gritaria e uma correria do lado de fora. Eram seus familiares se aproximando da casa. Seu pai foi ver o que era e ao abrir a porta viu seu irmão (tio de Bruna) sendo atacado por seu sobrinho (primo de Bruna). Todos ficaram apavorados com o que estava acontecendo, pois o primo de Bruna infelizmente havia morrido por causa da nova gripe. Seu pai tentou ajudar e também foi atacado, levando uma mordida no pescoço, próximo a orelha. Do lado de fora da casa estava um caos. Todos os seus parentes corriam de pessoas que queriam ataca-los. E muitos acabavam sendo atacados. Seu pai, vendo que não tinha outra opção a não ser agir, pegou uma velha espingarda que tinha e começou a abrir fogo contra os agressores. Um de seus irmãos gritou que os tiros deveriam ser dados na cabeça, e foi o que seu pai fez. Cessada a confusão, o pai de Bruna abrigou todos os feridos dentro de sua casa. Porem um dos seus tios disse que ali não era seguro e que poderiam aparecer mais agressores. Ela conta que foi levada com seu irmão para o quarto e não ouviu o que os mais velhos estavam conversando. Percebeu também que não havia energia elétrica na casa.

Ela só se lembra de que todos começaram a sair. Seu pai decidiu que melhor seria ir para o prédio maior da faculdade. Ela não entendia. Porque não ir para a cidade, para o hospital? Mas eles pareciam não se importar com isso. Todos se arrumaram e foram. No caminho eles abriram a cantina da faculdade e pegaram muitas coisas para levar. Eles eram dez ao todo. Seu pai, dois tios, dois primos e dois vizinhos próximos, além de sua mãe e seu irmão Diego. Seu pai decidiu por ficar no ultimo andar, onde seria mais seguro. Já no prédio eles se trancaram na sala e ficaram esperando por uma ajuda que não sabiam se viria, tentando entender o que estava acontecendo. Os feridos eram tratados da melhor maneira possível, mas não era o suficiente. Então ali eles ficaram.

Segundo ela, mais ou menos um dia depois, foi que tudo aconteceu.

O dia amanhecia aos poucos quando ouviram um grito. Ao olharem viram seu tio atacando seu outro tio. Ele mordia seu pescoço com toda a raiva. Seu pai e sua mãe se desesperaram e agiram. Eles colocaram os dois dentro daquele armário e trancaram por fora. Dentro do armário colocaram algumas provisões e água. Depois disso ouviram um tiro e muita gritaria, tanto do seu pai e da sua mãe, quanto dos outros na sala. Depois... Silencio.

Bruna, uma garota muito esperta por sinal, entendeu tudo. E ela estava certa. Seus tios e seus pais haviam se tornado aquelas criaturas. Algumas evidências na sala explicavam tudo. Na porta havia uma chave quebrada. Alguém tentou fugir rapidamente e acabou quebrando a chave dentro da fechadura, o que fez os pais de Bruna terem colocado eles no armário. Ali foi o fim para os que ficaram fora do armário. A mulher que encontramos na escada era a mãe de Bruna. O pai deveria ser um dos outros que matamos. Assim que contamos que havíamos matados todos, pois havia se tornados zumbis, eles choraram bastante. Algum tempo depois foram voltando ao normal. Agora eles estão aqui conosco. Também contamos um pouco da nossa história.

Hoje nos mudamos para o auditório. Realmente é muito mais confortável. Meu irmão e eu já também já fomos procurar a tal cantina, mas prefiro relatar sobre isso depois, pois algo mais aconteceu. Aqui do auditório podemos ver a grade que cerca o prédio, e ali está ele, parado na frente da grade, gemendo e tentando entrar. Ele apareceu há algumas horas. Não entendo como veio parar aqui. Será que foi atraído por algo? Ou é instinto? E se mais aparecerem? Perguntas e mais perguntas. Isso acaba comigo. Sofia não para de chorar no canto da sala. Amanda e Bruna tentam consolá-la.

Afinal, Carlos, seu marido morto que virou uma dessas criaturas, está do lado de fora do prédio.

Já decidimos o que fazer. Só falta coragem.

Escrito 15/08/2012 ás 16h30. Taubaté-SP

27° Registro - A Universidade - Parte 4 de 7


Foram momentos aterrorizantes. Fico imaginando o que teria acontecido se não tivéssemos ido até aquele andar do prédio. Mas infelizmente fomos. Ou felizmente. Depende do ponto de vista.

Assim que aquela criatura deu seu primeiro passo, Gustavo abriu fogo sem pensar. Eu estava muito próximo e me assustei com o incrível barulho que o tiro causou naquele pequeno espaço no meio da escada. Infelizmente Gustavo errou o primeiro tiro. A criatura deu seu segundo passo, e foi quando tudo aconteceu. Não sei se ela sabia que estava próxima a uma escada. Será que essas criaturas reconhecem as coisas ao redor delas? Será que elas sabem quando estão perto de uma porta, ou um carro, ou uma escada? Mais um mistério sobre esses mortos vivos. Só sei que assim que ela deu o passo seguinte, desmoronou. Aquela altura nós já havíamos dado alguns passos para trás. Mateus porem recuou mais do que o esperado e veio para cima de mim, enquanto aquela criatura rolava escada abaixo. Eu não vi que havia me aproximado do primeiro degrau para descer as escadas e também pisei em falso. Antes de cair tive a inteligência de segurar em meu irmão. Erro meu. Ele não esperava por isso e também começou a cair. Nós três rolamos escada abaixo e caímos no segundo andar. Eu bati minha cabeça em alguma coisa e fiquei um pouco atordoado. Mateus deve ter caído de mau jeito, pois gritou e colocou a mão no braço. Mas o pior foi para meu irmão. Ele estava desacordado. Eu tentei acorda-lo, em vão. Olhamos para cima e vimos à criatura tentando se levantar. A cena era horrível. A perna da criatura havia se deslocada em um ângulo um tanto impossível de se descolar. Ela estava indefesa. Não conseguiria nos pegar nunca. Mateus mirou com a lanterna e eu atirei. Foi certeiro. O miolo daquela mulher ficou espalhado naquela escada. A podridão que exalava dela era totalmente escrota. O cheiro veio com tudo para cima de nós. Eu virei de lado e vomitei.

Nos aproximamos de meu irmão e tentamos acorda-lo novamente. Mais uma vez em vão. Na cabeça dele dava para se ver um enorme galo. A pancada havia sido forte. Já pensávamos como levá-lo para nossa sala quando ouvimos novamente. Um gemido. Um longo e desgraçado gemido. Havia mais criaturas naquele terceiro andar. Não sabíamos o que fazer. Ou levávamos meu irmão para a sala ou subiríamos e daríamos um jeito naquelas criaturas. Enquanto isso os gemidos continuavam.  E os barulhos que antes não sabíamos o que era, descobrimos. Eram passos. Passos dessas criaturas. Pés se arrastando pra lá e pra cá. Andando sem destino. A espera de uma presa, uma pessoa viva. E as presas estavam chegando. Nós iriamos até lá.

Deitamos meu irmão embaixo da escada e nos preparamos para subir. Na cintura eu levava a arma de meu irmão. Passamos pela mulher morta e cobrimos o nariz. O cheiro era impressionante. Seu sangue agora escorria pela escada. Já ali apontamos a lanterna para cima e não vimos nada. Quem estava ali, estava mais para o meio do corredor. Subimos lentamente, quase não fazendo barulho. Acho que eu conseguia até ouvir as batidas de nossos corações. Mateus colocou a mão no braço, pois ainda estava doendo. Ao chegarmos ao topo da escada paramos. Agora era a hora. Iluminamos o corredor à esquerda e os vimos. Dois homens caminhando em nossa direção. Um careca magrelo e um gordão moreno. Apontamos a arma para eles, mas de repente fomos surpreendidos por um zumbi a nossa direita. Ele deu um grito e saltou sobre mim. Dei um tiro no vazio e cai com o ser em cima de mim. Sua primeira investida foi contra meu antebraço. Ao lado Mateus abria fogo contra os dois zumbis. Eu tentei me virar, mas era impossível, pois o zumbi soltava todo o seu peso contra mim. Sua segunda investida foi contra meu pescoço. O desgraçado quase conseguiu me morder. Deu até para sentir sua saliva escorrer sobre meu pescoço. Seus braços eram fortes e ele tentava me morder a cada segundo. Eu não sei se ele se cansava, mas eu estava me cansando. Minhas pernas já doíam e meu braço começava a se afrouxar aos poucos. Minha lanterna estava caída de lado e iluminava o corredor ao lado. Do corredor eu vi mais dois zumbis caminhando ao nosso encontro.

– Mateus! – gritei, tentando rolar para o lado com o zumbi.

Mateus tentou atirar. Seu braço estava machucado e ele errou. Ele não sabia o que fazer e deu um chute no zumbi que estava em cima de mim. Aquilo me salvou. O zumbi sentiu o golpe e perdeu o foco, tentando achar seu agressor. Naquele momento eu virei de lado e joguei o zumbi com a perna para o lado. Fiquei em pé de imediato e me preparei para atirar. Que merda! Os zumbis ao lado estavam se aproximando. Quatro metros. Eu apontei minha arma para o zumbi caído. Três metros. Ele tentava se levantar aos poucos, sendo difícil de mirar. Dois metros. Eu precisava agir. Um metro. Atirei. Me virei e o zumbi avançou sobre mim. Antes de eu atirar, ouvi um tiro. Mateus atirou e abateu o zumbi a menos de cinquenta centímetros do meu rosto. Sua cabeça explodiu bem na minha frente. O zumbi ao lado avançou sobre Mateus. Eu atirei. Não sei se acertei, mas o zumbi caiu. Mateus assustado recuou e se aproximou de mim. Apontamos as lanternas para todos os lados, mas não vimos mais ninguém. O zumbi caído se debatia e se contorcia. Parecia estar tendo uma convulsão ou um ataque epilético. Acho que meu tiro causou isso nele. Era um rapaz cabeludo e corpulento. Usava uma camisa xadrez azul e vestia uma calça jeans toda rasgada. No pé só uma bota, pois o outro estava descalço. Me aproximei e olhei para o pobre rapaz. Seus olhos cinzentos e vermelhos, sedentos por sangue. Sua presa ali, a centímetros dele e ele incapaz de ataca-la. Apontei a arma para ele e atirei. Aquilo me fez tremer. Eu estava mais calejado sobre aquilo tudo. Eu estava me acostumando a agir daquela maneira naquele inferno. Era bom, muito bom, mas eu não gostava nenhum pouco.

Depois daqueles acontecimentos decidimos voltar para nossa sala. Se tivessem mais zumbis por ali, ficariam para depois do amanhecer. Descemos as escadas e pegamos meu irmão. Voltamos com ele para a sala e ali ficamos. Não contamos para Amanda e Sofia o que havia acontecido.

Simplesmente ficamos quietos.

Escrito 15/08/2012 ás 13h05. Taubaté-SP

26° Registro - A Universidade - Parte 3 de 7


As últimas dezesseis horas foram aterrorizantes. Mais uma vez passamos por situações que nos abalaram psicológica e fisicamente. Realmente não podemos nos iludir achando que estamos cem por cento seguros. Isso é totalmente enganoso. Muito enganoso.

Ontem, assim que o dia foi amanhecendo, Mateus, meu irmão e eu nos preparamos para vasculhar o restante do prédio. Infelizmente aquele barulho estranho insistia em permanecer. Não sei se era coisa da minha cabeça, mas por várias vezes eu acreditei ouvir mais de um barulho. Como se fossem em diversos lugares do prédio. Os demais não ouviram nada além do mesmo barulho. Estranho.

Assim que estávamos prontos, partimos. A estratégia seria simples: Portas trancadas permaneceriam trancadas. Porque mexer no que está quieto? Vasculhamos as três primeiras portas. Todas trancadas. A quarta porta nos revelou uma surpresa. Era a diretoria. Aquela nós tínhamos que abrir. E teria que ser na pancada. Para Gustavo era mais fácil, pois ele estava usando um coturno (bota militar). Nos foi revelada uma sala confortável, com uma mesa de madeira enorme, uma cadeira reclinável e giratória muito elegante. Um sofá de quatro lugares da cor marrom muito confortante. Uma estante com fotos e uma com livros, muitos livros. Guardamos alguns na mochila para lermos. Seria bom para passar o tempo. Havia também um banheiro. Ali encontramos algo que alegrou nosso trabalho. Um molho de chaves. Agora poderíamos verificar todas as portas. Então seguimos com o plano.

As portas foram se revelando. Salas e mais salas. Laboratórios dos cursos. E então... Um banheiro. Um banheiro com chuveiro. Um vestiário na verdade. Ao abrirmos o chuveiro percebemos que a água estava totalmente gelada. Incrível como por um segundo achamos que teria água quente. Pobre ilusão. Pronto, já poderíamos tomar um banho. Encontramos outra coisa boa. Como eu havia previsto. Um auditório. Seria um bom lugar para ficarmos.

Aquela altura decidimos por voltar e descansar um pouco. Contamos as novidades para Amanda e Sofia. Depois do meio dia decidimos tomar o tão aguardado banho. Amanda e Sofia foram às primeiras. Depois os homens. Era uma sensação diferente. Um banho depois de muito tempo. Mesmo sendo totalmente gelado. Eu não estava nem ai. Depois disso pensamos em seguir com o plano de olhar as outras salas. Mas depois do banho a preguiça bateu. E esse foi o nosso erro.

Encontramos tantas coisas boas que nos esquecemos de uma coisa. O barulho. Era por volta de oito horas da noite. Estávamos na sala de aula ainda, pois ainda não havíamos ido para o auditório. Foi quando percebemos algo diferente no barulho. Ele havia piorado. Era mais constante e mais forte. Um atrás do outro sem parar.

– Alguém está fazendo isso. – eu disse.

Assim que eu falei isso, ouvimos a batida. Uma batida muito forte. Lembrou-nos do barulho que fazíamos ao chutar uma porta para arrombá-la.

– Tem alguém aqui. Definitivamente tem alguém aqui. – eu disse.
– Deve ser no segundo andar. – Mateus falou. Afinal tínhamos vasculhado todo o primeiro andar.
– Vamos lá agora? – perguntou Gustavo.
– Se forem zumbis e ficarmos aqui, podemos ser surpreendidos. – falei.

Depois de muita relutância, decidimos que deveríamos verificar. Afinal, depois daquele barulho mais forte, não houve mais nenhum barulho.

Então com o coração na boca saímos.

Mal sabíamos o que nos aguardava lá em cima.

***

Quando estamos desesperados, assustados e aterrorizados, é estranho como o tempo não passa.

Assim que abrimos a porta da sala em que estávamos, olhamos para o corredor que se seguia a nossa direita. Estava totalmente escuro. Eu fui o primeiro a apontar a lanterna para ele e sinceramente, estava cagando nas calças. Eu poderia muito bem ser surpreendido por uma criatura a menos de um metro de mim. Isso me deixou muito assustado. Enfim, assim que nós três iluminamos o corredor e vimos que estava vazio, começamos a caminhar. Não era fácil, era nítido que dentro de cada um de nós a vontade era de dar meia volta e ficar na sala. Cada passo era forçado o suficiente para perceber isso. Não queríamos estar ali, não queríamos ter que verificar nada. Mas era preciso ser feito. Merda.

Então chegamos até a escada que levava pra o próximo andar. Parecia que a escuridão lá em cima era maior. Mais uma vez demonstramos que não queríamos subir. Tanto que ficamos cerca de um minuto parados, sem falar ou fazer nada. Isso serviu para ouvirmos um som estranho. Algo que não conseguíamos identificar. Com o coração a mil, decidimos subir. A escada tinha um lance de oito degraus e virava para a direita, onde subia mais oito lances de degraus. Para o nosso alivio, o segundo andar estava vazio. Para a esquerda cinco portas, para a direita mais cinco portas. Ouvimos então novamente aquele barulho estranho. Parecia algo se arrastando ou coisa do tipo. Não vinha dali, vinha do terceiro andar. Paramos na beira da escada que levava para o terceiro andar. Estávamos totalmente borrados de medo. Porem, nós não podíamos recuar. Olhamos um para o outro e subimos. Meu irmão, militar treinado, é claro que foi na frente.

Subimos o primeiro lance de degraus. Foi quando eu ouvi algo.

– Quietos. – disse para eles.
– O que foi? – perguntou Gustavo sem entender.

Subi minha lanterna lentamente para a escada que levava pra o terceiro andar. Foi então que a merda toda desandou.

O que vimos primeiro foram dois pés descalços, parados na beira da escada acima. Ao subir a lanterna vi uma mulher em pé, bem acima de nós. Ela aparentava ter seus quarenta anos. Vestia um vestido rosa bem velho e com flores brancas. Estava coberto de sangue seco. Seu corpo era horrível. Tinha marcas de mordidas por toda a parte do corpo. Pedaços faltando em toda a sua barriga. Uma criatura.

Assim que a lanterna bateu em seu rosto, ela soltou um gemido horrível e avançou.

Escrito 15/08/2012 ás 12h42. Taubaté-SP