Ainda naquela noite, uns trinta minutos depois que havíamos voltado para
a sala de aula, meu irmão acordou. Sua cabeça doía muito e ele não parava de
reclamar disso. Fique feliz em saber que havia sido só uma pancada. Depois
daquilo, a noite se passou. Não ouvimos mais nenhum barulho. Nada.
Ao amanhecer, decidimos rapidamente por voltar àquele lugar. Não
podíamos demorar muito. Poderiam ter mais zumbis. Mateus havia acordado com o
braço muito roxo. Naquele momento Sofia entrou em ação. Ela era auxiliar
de enfermagem. Rapidamente diagnosticou nosso amigo. Quebrado. Sim, seu braço
estava quebrado bem acima do pulso. Mateus estava fora de ação, e aquilo era
uma merda, pois ele estava sendo muito útil para nós. Com isso, meu irmão e eu
voltamos para o terceiro andar.
Ali vimos os zumbis mortos. O cheiro podre impregnado no ar. O inferno.
Percebemos que eles haviam saído de uma porta no corredor direito. Nos
aproximamos dela. Era uma sala de aula como a que estávamos. Porem havia algo
mais. Um maldito zumbi dentro dela. Ele estava próximo a uma porta nos fundos.
Essa porta também existia na nossa sala. Era um tipo de lugar que guardavam os
materiais de aula e outras diversas coisas. A porta estava fechada e o zumbi
estava bem ao lado dela, totalmente alheio a nossa presença. Dei sinal para meu
irmão avançar por um lado e eu por outro. Fora isso a sala estava vazia, mas
totalmente horrível. Marcas de sangue por todos os lados. Cadeiras e carteiras
caídas, como se uma luta houvesse ocorrido. Ao canto um lençol estendido com
comida e água em cima. Quase no centro da sala havia uma pessoa morta. Sim,
morta. Era um homem. Tinha um buraco na cabeça, provavelmente um tiro, pois ao
seu lado, no chão, havia uma espingarda jogada. Meu irmão afastou uma cadeira e
isso chamou a atenção do zumbi. Um senhor vestindo um paletó marrom e uma calça
social preta. Era meio careca e tinha uma mordia embaixo da orelha. Ele foi se
aproximando de meu irmão. Porem as carteiras atrapalhavam seus movimentos. Eu
me aproximei alguns metros e atirei sem pensar duas vezes. Eu estava melhorando
naquilo. O tiro acertou em cheio a testa do pobre senhor. Ele se espatifou no
chão e caiu esticado. Morto. Definitivamente morto.
– Pronto. Está acabado. Acho que é só isso. – disse para meu irmão.
Estávamos saindo da sala quando ouvimos. Um grito. Não era um grito qualquer,
como o de uma criatura. Era um grito mesmo. Um pedido de socorro. Alguém estava
gritando por socorro. Fomos correndo para sair da sala e olhar pela janela
quando ouvimos de novo. Não vinha de fora. Vinha de dentro, e de dentro daquela
sala.
– A porta dos fundos! – gritei para meu irmão.
Corremos e nos aproximamos da porta.
– Tem alguém ai? – gritei batendo na porta.
– Socorro! – alguém do lado de dentro gritou. Provavelmente uma mulher.
– Abra a porta! – eu gritei. – Você está segura agora.
– Não consigo! Você vai ter que abrir a porta na força. – gritou a
mulher.
– Se afaste da porta moça! – disse meu irmão.
Alguns segundos depois ela respondeu.
– Podem abrir.
Gustavo e eu começamos a chutar a porta, até conseguirmos abrir. Aquela
sala nos revelou uma surpresa. Uma moça, da idade de Amanda mais ou menos, e um
menino. Uma criança ainda, com seus sete ou oito anos de idade. Os dois olhavam
para nós com ar de surpresa. Havíamos encontrado dois sobreviventes.
***
Incrível como encontrar sobreviventes nos dias de hoje nos traz uma paz
muito grande. Uma alegria incomparável.
Ao olharmos para os rostos daquelas duas pessoas dentro daquele armário,
nossos olhos se encheram de lagrimas. Havíamos salvado duas vidas. Aquilo
alegrou meu dia de uma forma tremenda. Ambos estavam fracos e exaustos. O
armário estava totalmente fedido. Cheirava a urina e muitas outras coisas que
não tenho nenhum interesse em escrever. No chão havia saquinhos de salgadinhos
vazios e embalagens de muitas barras de chocolate. No canto havia dois baldes
que creio que eles estavam usando para fazer suas necessidades. Mais ao canto
seis garrafas de água de um litro. Todos vazios. Era nítido no rosto deles a
fome e a sede. Os dois estavam fedendo. A menina, Bruna, estava com o tornozelo
muito inchado. Eu a ajudei a levantar, enquanto meu irmão ajudou o menino,
Diego. Assim que os tiramos do armário, tampamos seus olhos para que não vissem
o que havia acontecido ali. Com certeza os mortos eram conhecidos. Provavelmente
parentes. Não conversamos nada até chegarmos à sala, para a surpresa de Mateus
e dos outros. Imediatamente foram nos ajudar. Sofia rapidamente examinou o
tornozelo da garota e disse que estava com uma simples torção. Amanda pegou
dois pacotinhos de arroz, tirados da ração militar, e deu para os dois comerem.
A vontade que eles avançavam contra aquela comida era de cortar o coração. Com
certeza estavam com muita fome. Depois de darmos comida e água para eles, lhe
dissemos que eles poderiam tomar um banho, se quisessem. Aquela noticia agradou
muito os dois, que rapidamente foram tomar banho. Depois de nos reunirmos
novamente, Bruna começou a contar a história dela e de seu irmão menor, Diego.
E era uma história horrível.
A mãe de Bruna e Diego era uma das faxineiras da escola. O pai era o
“faz tudo”. Cuidava das diversas coisas relacionadas ao campus da faculdade.
Como eles prestavam serviço para a faculdade, eles moravam numa casinha do
outro lado desse prédio, aonde vimos outros prédios mais ao longe. A família
não morava muito longe dali. Umas fazendas mais ao sul pertenciam a seus tios e
primos. E ela conta que tudo começou mais ou menos há cinco dias. Isso me
deixou curioso, pois para nós faz bem mais tempo. Perguntei se ela havia ouvido
algum barulho relacionado a tiros e explosões há alguns dias atrás. Ela contou
que ouviu, mas sua família achou que fazia parte de algum treinamento do
quartel.
Talvez eles tivessem isolados no meio desse inferno todo. Mas isso não
impediu que chegasse até eles. Ela contou que estava dormindo quando ouviu uma
gritaria e uma correria do lado de fora. Eram seus familiares se aproximando da
casa. Seu pai foi ver o que era e ao abrir a porta viu seu irmão (tio de Bruna)
sendo atacado por seu sobrinho (primo de Bruna). Todos ficaram apavorados com o
que estava acontecendo, pois o primo de Bruna infelizmente havia morrido por
causa da nova gripe. Seu pai tentou ajudar e também foi atacado, levando uma
mordida no pescoço, próximo a orelha. Do lado de fora da casa estava um caos.
Todos os seus parentes corriam de pessoas que queriam ataca-los. E muitos
acabavam sendo atacados. Seu pai, vendo que não tinha outra opção a não ser
agir, pegou uma velha espingarda que tinha e começou a abrir fogo contra os
agressores. Um de seus irmãos gritou que os tiros deveriam ser dados na cabeça,
e foi o que seu pai fez. Cessada a confusão, o pai de Bruna abrigou todos os
feridos dentro de sua casa. Porem um dos seus tios disse que ali não era seguro
e que poderiam aparecer mais agressores. Ela conta que foi levada com seu irmão
para o quarto e não ouviu o que os mais velhos estavam conversando. Percebeu
também que não havia energia elétrica na casa.
Ela só se lembra de que todos começaram a sair. Seu pai decidiu que
melhor seria ir para o prédio maior da faculdade. Ela não entendia. Porque não
ir para a cidade, para o hospital? Mas eles pareciam não se importar com isso.
Todos se arrumaram e foram. No caminho eles abriram a cantina da faculdade e
pegaram muitas coisas para levar. Eles eram dez ao todo. Seu pai, dois tios,
dois primos e dois vizinhos próximos, além de sua mãe e seu irmão Diego. Seu
pai decidiu por ficar no ultimo andar, onde seria mais seguro. Já no prédio
eles se trancaram na sala e ficaram esperando por uma ajuda que não sabiam se
viria, tentando entender o que estava acontecendo. Os feridos eram tratados da
melhor maneira possível, mas não era o suficiente. Então ali eles ficaram.
Segundo ela, mais ou menos um dia depois, foi que tudo aconteceu.
O dia amanhecia aos poucos quando ouviram um grito. Ao olharem viram seu
tio atacando seu outro tio. Ele mordia seu pescoço com toda a raiva. Seu pai e
sua mãe se desesperaram e agiram. Eles colocaram os dois dentro daquele armário
e trancaram por fora. Dentro do armário colocaram algumas provisões e água.
Depois disso ouviram um tiro e muita gritaria, tanto do seu pai e da sua mãe,
quanto dos outros na sala. Depois... Silencio.
Bruna, uma garota muito esperta por sinal, entendeu tudo. E ela estava
certa. Seus tios e seus pais haviam se tornado aquelas criaturas. Algumas
evidências na sala explicavam tudo. Na porta havia uma chave quebrada. Alguém
tentou fugir rapidamente e acabou quebrando a chave dentro da fechadura, o que
fez os pais de Bruna terem colocado eles no armário. Ali foi o fim para os que
ficaram fora do armário. A mulher que encontramos na escada era a mãe de Bruna.
O pai deveria ser um dos outros que matamos. Assim que contamos que havíamos
matados todos, pois havia se tornados zumbis, eles choraram bastante. Algum
tempo depois foram voltando ao normal. Agora eles estão aqui conosco. Também contamos
um pouco da nossa história.
Hoje nos mudamos para o auditório. Realmente é muito mais confortável. Meu
irmão e eu já também já fomos procurar a tal cantina, mas prefiro relatar sobre
isso depois, pois algo mais aconteceu. Aqui do auditório podemos ver a grade
que cerca o prédio, e ali está ele, parado na frente da grade, gemendo e
tentando entrar. Ele apareceu há algumas horas. Não entendo como veio parar
aqui. Será que foi atraído por algo? Ou é instinto? E se mais aparecerem?
Perguntas e mais perguntas. Isso acaba comigo. Sofia não para de chorar no
canto da sala. Amanda e Bruna tentam consolá-la.
Afinal, Carlos, seu marido morto que virou uma dessas criaturas, está do
lado de fora do prédio.
Já decidimos o que fazer. Só falta coragem.
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