Qual o limite de um ser humano? O que somos capazes de fazer
quando estamos totalmente desesperados, com medo, angustiados, apavorados e no
meio de um inferno apocalíptico?
O que somos capazes de fazer quando a única coisa que nos resta é
sobreviver? Sabendo que não existe mais autoridade nenhuma acima de nós.
Sabendo que agora é cada um por si. E que pra sobreviver você vai ter que ser
capaz de fazer coisas que talvez nunca tenha pensado em fazer.
No momento em que aquele homem disse que iria ter que tirar a
viatura de nós, meu sangue subiu. Meu coração começou a acelerar, minhas mãos
começaram a tremer. Eu vi nos olhos daquele homem que ele realmente estava
falando sério. E seria capaz de qualquer coisa para sair dali na viatura. Minha
cabeça foi à milhão. Desde que tudo começou eu não tinha parado para pensar
nesse tipo de acontecimento. Mas ele poderia acontecer, sim, a qualquer momento
e em qualquer lugar. O mundo foi para o saco. E qualquer possibilidade de
sobreviver, uma chance, uma esperança, era vista como uma oportunidade de ouro.
Não podíamos deixar escapar. Agora, escrevendo isso, fico pensando se eu teria
feito o mesmo que aquele cara fez. Se eu teria me desesperado em ver que a
única chance de sumir daquele lugar estava longe do meu alcance. Complicado.
No momento em que ele levantou sua arma e apontou para nós, Carlos
e meu irmão levantaram suas armas. Os três ficaram assim por alguns segundos.
Amanda começou a chorar e meu irmão tentou acalmá-la. Meu irmão, droga. Eu não
deixaria que nada acontecesse com ele. Eu precisava fazer alguma coisa. Aquilo
não terminaria bem.
– Vamos nos acalmar. – eu disse. – Mateus. Peça para seu amigo
abaixar a arma.
– Eu não conheço esse homem. – disse Mateus. – Apenas corremos
para o mesmo lado.
– Acalmar coisa nenhuma. – falou o homem já bem alterado. – Eu preciso fugir daqui, e se for
preciso atirar. Eu irei.
– Isso é necessário? – Perguntou Carlos.
– Pode ter certeza. – Respondeu o homem.
Eu estava começando a ficar nervoso. Aquele homem não estava para
brincadeira e poderia fazer uma besteira a qualquer momento. Carlos e meu irmão
eram treinados para segurar uma arma. Eles estavam tranquilos e firmes,
apontando a arma para o sujeito. Já o cara estava tremendo. Era nítido que ele
estava no seu limite. Foi então que pensei em algo. A mochila que eu estava
carregando. Estavam todos tensos que não notaram o que eu estava fazendo. Fui
colocando a mão lentamente dentro da mochila.
– Acho melhor você abaixar essa arma. – falei para o homem.
– Cala a boca. – ele gritou.
– Então é aqui que vocês estão. – disse alguém aparecendo no meio
da confusão. A voz era familiar. Pensei comigo mesmo: Mais essa?
Rodrigo se aproximou do homem com a arma.
– Falei para você que eles tinham uma viatura escondida em algum
lugar aqui. Mas o que está acontecendo? Porque não estamos prontos para partir?
– Calma ai garoto. – disse o homem. – Seus amiguinhos aqui estão
dificultando as coisas.
– Você os trouxe até aqui Rodrigo? – perguntei. As pernas tremendo
de ódio.
– Como pôde? – perguntou Amanda também se enfurecendo. Rodrigo não
respondeu.
– Ei! Calma ai gente! Não precisamos chegar a esse ponto. – disse Mateus,
lentamente se afastando dos homens e caminhando para perto de nós.
Os outros dois rapazes permaneciam imóveis atrás do homem mais
velho e de Rodrigo.
Foi então que tudo aconteceu. Não sei por que, mas depois meu
irmão me contou. Ele acha que sem querer jogou a lanterna no rosto do homem.
Com isso o cara atirou. A esposa de Carlos, que estava com a gente, gritou.
Carlos também atirou. Foi tudo tão rápido. A lanterna que estava na mão do cara
caiu. Ele havia sido atingido.
- Pai! – gritou um dos rapazes.
Foi então que eu percebi. O homem era pai dos outros dois rapazes
que ali estavam. Ele estava protegendo sua família, do mesmo jeito que eu estava
protegendo a minha.
***
Sentado aqui escrevendo isso, nesse nosso novo abrigo, algumas
lágrimas escorrem pelo meu rosto.
Um pai que só queria garantir a segurança dos filhos. Um pai que
faria tudo pelos filhos. Foi lamentável o que aconteceu. Mas aconteceu.
Assim que o homem foi atingido e foi ao chão, um dos filhos gritou
e correu. O rapaz, um garoto na verdade, segurou o pai em seus braços. Acendi
minha lanterna e perguntei se alguém havia sido atingido pelo tiro daquele
homem. Pelo jeito não. Todos estavam “bem”. Naquele momento a chuva apertou um
pouco. Carlos, que permanecia imóvel desde que havia disparado a arma, mandou
todos entrarem na viatura. De repente... Outro tiro! Alguém caiu ao meu lado.
Era Ricardo, um dos que estavam conosco. Assim que olhei para trás, outro tiro!
Esse acertou a porta da viatura. Carlos olhou e viu um dos rapazes com a arma
na mão. Ele não teve alternativa e abriu fogo. O tiro acertou em cheio o rapaz.
O irmão dele avançou em direção a Carlos. Então André, que era primo de Ricardo
saltou sobre o rapaz. Eles começaram a brigar. Rodrigo se afastou e ficou
observando os acontecimentos de longe. Meu irmão e eu corremos para separar a
briga quando eles apareceram. Não sei quantos eram, mas deveriam ser uns dez,
por ai. Saíram do meio da mata e avançaram. Um saltou sobre mim e rolamos no
chão. Ele deu uma mordida no ar e quase pegou minha orelha. Com o joelho
pressionando a barriga do zumbi, eu o joguei de lado e tentei me levantar. Ao
ficar em pé, outra criatura me agarrou e mordeu a mochila, que agora estava em
minhas costas. Me assustei e sai de perto, quando ouvi um tiro. A criatura caiu
dura ao meu lado. Olhei para o lado e vi o inferno. Duas criaturas estavam
dilacerando o corpo de Ricardo, que havia tomado um tiro. Outra criatura
tentava atacar Carlos, que foi quem disparou o tiro e me salvou. Estava difícil
fazer alguma coisa, estava chovendo muito e estava muito escuro. Naquele
momento as lanternas estavam jogadas no chão, o que não ajudava muito. Abri a
mochila e peguei uma arma. Sim, aquela mochila estava cheia de armas. Não pensei
duas vezes em abrir fogo em um zumbi que atacava Carlos. Meu irmão correu e
agarrou a criatura que tentava morder Carlos. Vi também o irmão do rapaz morto
ser atacado por três zumbis.
– Vamos agora! – gritei. – Mateus! Corre! – gritei para meu amigo.
Passei o olho rapidamente pelo terreno e não encontrei Rodrigo. Ele já havia
sumido.
Corremos para a viatura e entramos rapidamente. Carlos já havia
assumido o volante. Meu irmão e eu sentamos ao lado dele, enquanto os outros
foram atrás. Quatro criaturas começaram a bater nas portas do carro. Precisamos
sair dali urgente.
Carlos ligou a viatura e saiu derrapando pela estrada.
– Pela esquerda! – gritou meu irmão.
Naquele momento a chuva havia piorado. A estrada estava horrível
para se dirigir. Não víamos nada, nem com a ajuda dos faróis. Todos estavam
tensos dentro da viatura. Amanda e Sofia não paravam de chorar. Os homens
tremiam muito. Até Carlos que era um Sargento treinado. Olhei para a mochila
rasgada. Ela havia sido mordida em meu lugar. A viatura deu uma balançada e
ameaçou sair da estrada.
– Carlos? Tudo bem? – perguntei.
Então vi Carlos delirando e com os olhos semiabertos.
– Carlos! – gritou meu irmão.
Foi então que saímos da estrada. A viatura adentrou pela mata e
foi batendo em elevações no terreno. Meu irmão segurou o braço de Carlos, que
não reagia.
– Merda! – gritou meu irmão.
Olhamos para frente. Uma arvore! O choque era inevitável!
– Segurem-se! – gritei fechando os olhos.
Escrito 13/08/2012 ás 10h28.
Taubaté-SP
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