Já
faz duas horas que estou em frente ao notebook pensando no que escrever. Cerca
de dez minutos atrás tive uma crise de choro. Estou sofrendo. Não consigo
dormir. E isso está acabando comigo. Encostar a cabeça num travesseiro ou em
qualquer lugar e logo em seguida acordar assustado, achando que algo está
acontecendo, é apavorante.
Fui
abatido por uma enorme tristeza. Não sei quando isso vai passar. Rodrigo...
Rodrigo não é mais o mesmo...
Prefiro
escrever desde o começo. A noite vai ser longa. O sono não virá tão cedo.
Ainda
estávamos no meu apartamento. Assim que desliguei o notebook e o coloquei na
bolsa, encontrei Rodrigo que estava colocando a ultima mochila dentro do
elevador.
–
Preparado? – perguntou ele.
–
Nenhum pouco. – respondi.
–
Então vamos.
–
Vamos.
Entramos
no elevador e apertamos o botão do subsolo. Agora não tinha mais volta. O plano
era simples, mas era obscuro. Não sabíamos como estava a situação no subsolo.
Estávamos com as armas preparadas para qualquer situação. Ministrei um rápido
curso para Rodrigo sobre como usar a arma. Mas não atiramos em nada. Se algo
acontecesse, aquela seria a primeira vez. O elevador foi se aproximando. A cada
andar que passava nossos corações se apertavam ainda mais. A preocupação pela
queda de energia era grande. Naquela madrugada a energia havia caído e voltado
umas três vezes. Estávamos no quarto andar. Com uma das mãos no bolso da calça
eu tateava a chave do carro do senhor Francisco. Terceiro andar. Rodrigo batia
rapidamente os dedos na parede do elevador. Segundo andar. Eu chequei minha
arma e conferi a munição. Primeiro andar. Rodrigo fechou o zíper de sua blusa
de moletom. Térreo. Eu peguei a chave do carro e fiquei preparado. Subsolo.
Apontamos as armas para a porta do elevador.
O
subsolo estava vazio. Pelo menos era o que dava a entender no primeiro momento
que vimos o local. Sem fazer barulho, eu apontei para Rodrigo a caminhonete do
senhor Francisco. Ela estava a cerca de uns dez metros da gente. Pegamos tudo o
que podíamos carregar e fomos nos aproximando lentamente. Quando saímos detrás
de uma pilastra percebemos três criaturas vagando por entre os carros no fim do
estacionamento, uns cinquenta metros de distancia. Parecera não perceber nossa
presença. Por pouco tempo, pois tínhamos um dilema nas mãos. O alarme do carro.
Eu tinha que desativá-lo. O barulho seria como um tiro naquele silencio que estava
fazendo. Pelo contrário, se eu não desativasse, assim que colocássemos a
primeira bagagem na traseira, o alarme iria disparar.
–
Tenho uma ideia. – disse eu baixinho para Rodrigo. – Vamos trazer tudo pra cá.
Quando eu destravar o alarme, a gente joga tudo rapidamente na caminhonete e
saímos em disparada.
Assim
fizemos com total delicadeza. Quando tudo estava no chão ao lado da
caminhonete, eu destravei o alarme. O “pip-pip” do alarme pareceu uma bomba
nuclear dentro daquele fechado estacionamento. Como saídos de um transe, as
criaturas voltaram seus corpos podres na nossa direção e marcharam ao nosso
encontro. Eram três homens. Um estava com uma camisa xadrez e sem o braço
direito, arrastando a perna esquerda ao caminhar. O outro, um careca moreno,
usava uma camisa de futebol e no lugar do símbolo do clube havia um buraco
horrível e sangrando. O outro rapaz, um adolescente sem camisa, estava com a
barriga rasgada e de dentro dela caíam suas tripas. A cena era nojenta e
apavorante. Rapidamente jogamos de qualquer jeito nossas mochilas e sacolas
dentro da caminhonete e entramos.
Assim
que girei a chave no contato, meu coração parou. O carro falhou e não ligou.
– Que
droga é essa cara? – gritou Rodrigo.
– Não
sei! – gritei respondendo. – Deve ser muito tempo sem ligar.
Aquele
carro não iria nos deixar na mão. Não ali. Não tão perto da saída. Fechei os
olhos e girei a chave novamente. O som do carro ganhando vida soou como música
para nossos ouvidos. Pisei no acelerador três vezes para o carro acordar e
engatei a primeira marcha. Naquele momento cinco criaturas apareceram da
esquerda do estacionamento. Não reparei muito neles, mas em uma criatura eu
reparei e aquilo me deixou totalmente chocado.
Era
um menino que talvez não tivesse mais de sete ou oito anos. Vestia um pijama de
dormir com a estampa do Bob Esponja. O que mais me chamou a atenção era que ele
estava sem a orelha esquerda. O sangue escorria pela roupa deixando o Bob
Esponja com uma cara demoníaca. Foi com essa cena na cabeça que disparei com a caminhonete
em direção a porta do estacionamento. Encontramos dois carros
atravessados no caminho. Estavam chocados numa batida frontal. Desviei com o
carro e segui até o portão já com o controle na mão. Como eu havia deduzido o
portão estava fechado e o caminho estava livre. Me aproximei do portão e
apertei o controle. Nada aconteceu. Freei o carro a apertei o botão novamente.
Nada aconteceu. Minhas mãos começaram a tremer.
– O
que está acontecendo? – gritou Rodrigo.
– O
controle não está funcionando! – respondi. – Você sabe dirigir? Eu vou lá abrir
o portão manualmente!
–
Não, não sei!
–
Droga! – gritei olhando pelo retrovisor e percebendo a movimentação das
criaturas atrás de nós.
– Eu
vou lá abrir! – disse Rodrigo já abrindo a porta do carro.
– É
um pino que você tem que retirar. Fica do lado esquerdo do motor ali no canto
do portão.
Rodrigo
deu uma olhada na movimentação dos zumbis e correu em direção ao portão que
estava a três metros da gente. Rapidamente eu abri a porta do carro e fiquei do
lado de fora observando as criaturas se aproximarem. De vários lugares
apareciam mais deles. Não parei para contar, mas com certeza havia mais de
vinte ou trinta, surgindo de todos os cantos do estacionamento. Quando me virei
vi que Rodrigo estava abrindo o portão manualmente. Foi então que de dentro de
uma guarita de segurança, um rapaz saiu cambaleando e tentou agarrar Rodrigo.
Eu já estava com o monstro na mira, quando ouvi bem baixo uma voz.
– Por
favor...
Assustado
eu percebi que quem havia falado isso era o rapaz que havia saído da guarita.
Rodrigo se assustou e se virou percebendo a aproximação do homem.
– Ele
está vivo? – eu gritei.
–
Parece que sim.
–
Traga-o pra cá! Vamos embora!
Rodrigo
se certificou que o rapaz estava vivo e o levou até o carro. Eu já estava
pronto para dar partida. Quando os dois entraram no carro nós saímos em
disparada em direção à rua.
Estávamos
fora do prédio...
Sem
perceber a movimentação das criaturas na rua nós avançamos com total velocidade
no sentido da casa de Rodrigo. No caminho que percorremos as cenas eram
impressionantes. Carros batidos, capotados, pegando fogo e com corpos
carbonizados dentro. Criaturas se alimentando de corpos largados no chão. A
cena mais impressionante foi uma ambulância enfiada dentro de um poste. Embaixo
do pneu havia uma criatura esmagada, mexendo os braços em nossa direção.
–
Obrigado. – finalmente disse o cara no banco detrás. Era um homem de pouco mais
de trinta anos. – Meu nome é César.
–
Descanse um pouco César. – disse eu. – Você está a salvo agora. Se isso é estar
a salvo é claro.
–
Infinitamente mais do que ficar naquela guarita. – comentou o cara.
– O
que estava fazendo lá? – perguntou Rodrigo.
–
Escondido. – sussurrou César. – Eu estava tentando fugir daquele inferno. Foi
quando meu carro chocou de frente com outro carro. Esses monstros rapidamente
cercaram o carro da frente e atacaram o motorista. Foi horrível. Tinha um
menininho dentro. Meu Deus. – César estava quase chorando. – Corri até o
portão, mas o controle não funcionou. Eu não sabia que tinha como abrir
manualmente. Quando percebi a movimentação das criaturas eu me escondi na
guarita. Estou lá desde então.
–
Todos esses dias? Por Deus cara! Você deve estar morrendo de fome.
–
Sim. Lá na guarita tinha um pequeno banheiro, eu usava a torneira do lavatório
para beber água. Mas comida não tinha.
– Tem
comida na mochila ai do seu lado. Água também. – disse eu.
César
atacou a mochila como se fosse um leão ao abocanhar uma zebra. Em menos de
cinco segundos ele comeu uma barra de cereal inteira. Depois abriu um pacote de
bolacha e ficou ali se alimentando.
–
Obrigado rapazes. De verdade.
– Por
nada cara. Agora descanse um pouco. Estamos quase chegando ao local da nossa
primeira parada. – comentei.
–
Primeira parada? Onde estamos indo afinal? – Perguntou César.
–
Estamos indo buscar minha mãe. – respondeu Rodrigo.
Já
havíamos andado cerca de três quilômetros. Felizmente havíamos tomado as
melhores ruas. Passamos na lateral de uma avenida e vimos inúmeros carros
abandonados em fileira. Muitas, mas muitas criaturas vagavam entre eles. No
nosso caminho também encontramos muitas, mas não chegavam a nos atrapalhar.
–
Ali! – gritou Rodrigo.
Ao
longe eu vi aparecer à placa do Residencial Fortaleza. Um condomínio de casas.
Rodrigo ficou inquieto, pois logo na entrada estava um carro capotado e o
portão aberto. Detrás do carro saiu uma criatura e caminhou em nossa direção
assim que passamos por ela e entramos no condomínio. Naquele momento Rodrigo
ficou mais calmo. Dentro do condomínio as coisas estavam mais tranquilas. Não
se via criatura alguma. Havia porem, muitos carros abandonados. Uma cena
bizarra foi ver um carrinho de bebê tombado próximo à frente de uma das
casas.
–
Vamos pela área de lazer. É mais perto. – disse Rodrigo me apontando uma
direção.
– Pra
onde vamos depois daqui? – perguntou César.
–
Nosso plano é irmos buscar minha namo... Deus do céu! – gritei freando o carro.
A
cena era tirada do fundo do inferno. Havia dezenas deles. Espalhados por toda a
área de lazer. As criaturas vagavam dentro da quadra, do playground e cercando
um salão de festas que estava com as janelas quebradas.
–
Merda! – gritou Rodrigo. – Vamos dar a volta.
Sai
lentamente com o carro, tentando não fazer barulho. Voltamos o caminho. Demos a
volta no condomínio e percebemos que a área de lazer era a única concentração
das criaturas. Entramos numa rua que, pela área de lazer, seria muito mais
rápido.
–
Minha casa é a da esquina. – disse Rodrigo.
A
casa de Rodrigo tinha a fachada amarela e dois andares. Uma casa muito bonita.
Rodrigo não comentou um segundo sequer sobre seu pai. Não insisti também. Mas
sua família era bem de vida. A casa parecia estar intacta. A porta estava
fechada e não havia sinal de nenhuma criatura por perto. Assim que parei o
carro, Rodrigo, já com a porta aberta, saltou e correu entrando em sua casa.
–
César. Passe para o banco da frente e buzine caso aconteça alguma coisa. Vou
ajudar Rodrigo a trazer sua mãe. – disse eu indo em direção a casa.
Entrei
na casa. As janelas estavam fechadas e o ar estava abafado ali dentro. A falta
de luz interna deixava a casa sinistra. Numa mesa eu vi alguns remédios jogados
e revirados. Percebi Rodrigo subindo as escadas.
– Ela
deve estar lá em cima. No quarto dela. – disse Rodrigo. Corri e o acompanhei.
Eu
estava subindo as escadas quando ouvi Rodrigo gritar.
–
Não, não, não, não... Não. Mãe... Mãe... Meu Deus... Mãe!
Assim
que me aproximei do quarto, o cheiro de podridão veio como um soco no meu
nariz. Na cama estava deitada a mãe de Rodrigo.
Transformada
em uma criatura...
Postado 04/08/2012 ás 22h19.
Taubaté-SP
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