Três dias se passaram. Muitas coisas aconteceram. Estamos seguros?
Sinceramente, não sei.
Eu cheguei a esquecer do blog. O notebook ficou largado,
abandonado dentro do carro. Só hoje tive autorização para ir até a área externa
do QG e pegar minhas coisas no carro. Vou continuar de onde parei para não me
antecipar aos fatos...
Eu estava na casa da minha namorada tentando quebrar a cabeça e
descobrir onde eles poderiam ter ido. Será que tentaram me procurar? Mas pra
onde foram? Perguntas que cada vez que eu pensava nelas me faziam ficar pirado.
O fato de pensar em ter perdido meu irmão e minha namorada acabava comigo.
Deitei na cama da minha namorada sem forças nenhuma para continuar. Até ali
tudo só estava dando errado. Fiquei ali deitado e não sei como, mas peguei no
sono. Quando abri os olhos saltei da cama desesperado e percebi que já havia
anoitecido. As criaturas ainda batiam no portão da casa. Já havia passado da
meia noite. Procurei algumas velas e fósforos e encontrei. Eu sabia onde eles
guardavam isso. Não queria chamar atenção com luzes acesas naquela hora.
Encontrei algumas coisas na casa que eram comestíveis. Nada demais, já que
levaram quase todos os alimentos. O tempo foi passando e eu precisava pensar em
algo. Eu poderia sair pela casa vizinha e saltar na rua sem ser percebido. Mas
também poderia ser surpreendido por algum zumbi dentro das outras casas. A
única coisa que me restava era esperar amanhecer.
O dia seguinte amanheceu com uma leve chuva. Pouco a pouco as
criaturas paravam de esmurrar o portão. Mas não saiam da frente dele. Peguei
uma cadeira e dei uma olhada no quintal da casa vizinha. Havia duas criaturas
vagando nos fundos, mas nenhuma na frente. Eu não poderia arriscar por ali, pois
não tinha muro na frente e o portão poderia estar trancado. Foi então que tudo
aconteceu.
Foi de repente. O som era impactante, ensurdecedor. Tiros, muitos
tiros. Metralhadora talvez e com certeza outras armas de maior calibre. Estavam
muito perto. Corri para frente da casa e vi as criaturas sendo abatidas uma a
uma. Era uma matança digna de um filme de Hollywood. Assim que os tiros
cessaram meu ouvido ficou com um chiado totalmente irritante. No meio desse
chiado ouvi uma voz me chamando. Ao olhar vi meu irmão. Ele estava parado em
frente ao portão estendendo a mão para mim. E ao seu lado militares. Militares?
Sim. Militares. Uns vinte deles, todos equipados e fortemente armados.
– Precisamos sair daqui jovem! – gritou um militar para mim.
– Vá pegar suas coisas mano. Precisamos ir. – disse meu irmão.
Corri para a casa e peguei minhas armas. O pedaço de ferro e a
pistola. Corri e saltei o muro, sendo ajudado pelos militares.
Assim que toquei o chão eu corri e abracei meu irmão. Juntos nós choramos por
um interminável minuto.
– Gustavo. Precisamos sair daqui. – gritou o militar para meu
irmão. Na esquina eu vi as inúmeras viaturas. Eram umas oito.
– Onde você estava? O que está fazendo em Tremembé? – perguntei
para meu irmão.
– É uma longa história. Mas vamos ter tempo de sobra pra eu
contar. – ele respondeu me abraçando.
Era muito bom sentir seu abraço. Ele estava vivo. Obrigado Deus.
Fomos levados para perto das viaturas. Perguntaram se eu queria ir na viatura
ou ir dirigindo a caminhonete, acompanhando. Eu optei por ir acompanhando com a
caminhonete. Não sei por quê. Achei melhor.
Assim que partimos de Tremembé, meu irmão, que estava comigo no
carro, me explicou o que aconteceu com ele desde que tudo começou. Os relatos
dele foram assustadores.
Tudo começou a ir para o inferno quando meu irmão ouviu o PDA
(Plano de Defesa do Aquartelamento). O PDA é uma sirene de alerta que soa
quando alguma coisa MUITO SÉRIA está acontecendo. Meu irmão estava na cama, mas
não conseguia dormir. Já fazia quase dois dias que eu não atendia o celular. Ele
estava muito preocupado. Ficar ali sem conseguir fazer alguma coisa por mim era
angustiante. Ele ligava constantemente para minha namorada para saber se ela já
havia conseguido falar comigo, mas nem ela havia conseguido. Os dois já estavam
em pânico pensando no pior. Foi quando tentava mais uma vez me ligar que o PDA
foi acionado. Cinco segundos depois que o PDA acordou todo mundo, os tiros
começaram. Muitos tiros. Meu irmão seguiu o protocolo e, junto com os outros
militares, ele entrou em formação de ataque. Assim que ele saiu do hangar de
onde estava ele viu o inferno. Militares corriam de um lado para o outro
atirando em outros militares. Ninguém conseguia entender o porquê daquilo tudo.
Até que meu irmão viu um militar que não deveria estar ali. Era o Cabo Matias.
O Cabo Matias não poderia estar ali, pois ele havia falecido cinco dias atrás,
vitima da nova gripe. Antes de esboçar uma reação, meu irmão viu o Cabo Matias
atacar um militar, mordendo sua perna. Em seguida outros três militares
“estranhos” se aproximaram e também atacaram o militar abatido.
O capitão da tropa do meu irmão estava sem reação. Foi então que
uma ordem vinda do rádio do capitão chocou a todos. “Atirem nos mortos”!
“Atirem nos mortos”! “Abrir fogo”!
Meu irmão contou que pouco se lembra daquele momento. Quando tudo
se acalmou ele só conseguia ver muitos e muito militares abatidos. Todos com um
tiro na cabeça. O clima ali dentro era pesado. Muitos militares eram amigos.
Ter perdido todos pela gripe já havia sido horrível. Vê-los voltar da morte e
ter que mata-los novamente, era devastador.
“O que estava acontecendo”? Essa era a principal pergunta naquele
momento. “Será que está acontecendo em toda a cidade”? Assim que isso passou
pela cabeça do meu irmão, rapidamente então ele correu para seu alojamento e
pegou o celular para me ligar. Nada. Meu celular, como nos últimos dois dias, só
chamava. Um soldado entrou correndo no alojamento e disse que a Policia Militar
estava solicitando apoio nas ruas, pois alguma coisa estranha estava
acontecendo com as pessoas. O coração do meu irmão parou. Então ele ligou para
minha namorada.
O que ele contou a seguir foi apavorante.
Ao atender ao telefone, minha namorada disse para meu irmão que tudo
estava normal em Tremembé. Disse que havia uma movimentação estranha na rua,
mas tudo estava tranquilo. Meu irmão a aconselhou a não sair de casa e trancar
tudo. Ambos combinaram de ligar incessantemente pra mim. Uma hora ou outra eu
iria atender.
Meu irmão estava se preparando para ir para as ruas, mas sua tropa
foi solicitada para apoio interno. Sua angustia cresceu ainda mais. Ir para a
rua seria uma oportunidade de tentar me encontrar no meu apartamento. Mas ele
teria que ficar dentro do quartel.
As horas seguintes foram desesperadoras para meu irmão e todos ali
dentro do quartel. Pelo rádio eles ouviam os relatos de mortos que voltaram à
vida e estavam atacando os vivos. Mortos que tomavam inúmeros tiros e
continuavam a andar. De minuto em minuto meu irmão tentava me ligar, mas eu não
atendia. Minha namorada ligou para ele e relatou que coisas estranhas estavam
acontecendo na rua. Pessoas gritando, fugindo e sendo atacadas por outras
pessoas. Meu irmão pediu novamente que eles não saíssem da casa. Minha namorada
relatou que o pai dela havia socorrido o vizinho que estava batendo desesperado
no portão, pedindo ajuda. Ela disse também que já havia me ligado dezenas de
vezes, mas eu não atendia. Começou a chorar e temeu pelo pior. Meu irmão tentou
tranquiliza-la dizendo que tudo estava bem, que ele iria até meu apartamento
verificar as coisas. Mas a verdade era que ele não poderia sair dali. Estava
preso a ordem de ter que proteger o quartel.
As horas foram passando e cada vez menos as notícias de fora
chegavam. Foi então que, nas primeiras horas da manhã, os militares começaram a
retornar trazendo com eles sobreviventes. Eram muitos. Desolados, apavorados e
em pânico. O quartel inteiro se mobilizou em auxiliar os sobreviventes que
chegavam. A cada hora mais militares eram enviados para as ruas para buscar
mais sobreviventes. Meu irmão ainda estava no trabalho interno. Foi quando a
primeira oportunidade apareceu. Um tenente, muito amigo do meu irmão, aceitou
em leva-lo numa busca por sobreviventes na região do meu apartamento. Era a
chance que meu irmão estava aguardando.
No meio da ação dos militares, meu irmão entrou no prédio alegando
ter visto um sobrevivente da janela de um dos apartamentos. Foi então que ele
não me encontrou. Pela hora e o dia que ele disse ter acontecido isso, eu creio
que no momento que meu irmão entrou no meu apartamento, eu estava tendo minha
briga com Rodrigo, longe dali. Infelizmente meu irmão não pôde esperar para juntar
as pontas e tentar entender onde eu estava.
Duas noites se passaram e novamente outra oportunidade apareceu.
Meu irmão ingressou num grupo de militares que estavam encarregados de resgatar
a família do comandante do exército naquele momento. A família do comandante
morava na cidade de Tremembé. Era a oportunidade de ele checar se eu havia ido
para a casa da minha namorada. Foi então que ele me contou algo que aliviou meu
coração, em partes é claro. Na manhã do dia anterior, enquanto eu ajudava Amanda
a vasculhar a casa vizinha no condomínio que Rodrigo morava, minha namorada
ligou para meu irmão dizendo que ela e sua família estavam saindo da casa. Um
tio da minha namorada, chamado José Carlos, havia chegado a casa dela e estava
levando todos para sua fazenda, localizada na cidade de São Luiz do Paraitinga.
Meu sogro, irmão de José Carlos, aceitou e todos foram.
Meu coração se aquietou. Ainda havia uma oportunidade para
encontrar minha namorada. Caso ela e seus familiares tenham conseguido chegar
até a fazenda. Deus, com certeza eles chegaram. Era só eu ir até lá. Meu irmão
continuou seus relatos.
Assim que eles conseguiram resgatar os poucos sobreviventes da
família do comandante, os militares estavam fazendo o trajeto de volta, que por
incrível que pareça passava pela rua da casa da minha namorada. Assim que eles
perceberam que a rua estava intransitada, eles fizeram o retorno para pegar
outro caminho. Foi então que meu irmão reconheceu uma coisa. Uma caminhonete
estacionada na esquina. A caminhonete do senhor Francisco. A mesma caminhonete
que uma vez o senhor Francisco havia usado para levar meu irmão, eu e seus
filhos para ver um jogo de futebol do time da cidade. Meu irmão implorou para o
militar no comando para que ele voltasse e o deixasse averiguar a casa da minha
namorada. O militar relutou, mas meu irmão foi insistente. Lembrou que o
militar havia conseguido resgatar sua esposa, e que ele queria a chance de
conseguir resgatar seu irmão. Ele conseguiu que os militares retornassem. Meu
irmão saltou da viatura militar e correu na direção da casa da minha namorada.
A movimentação das criaturas ali o fez entender que realmente havia alguém
dentro da casa. Então ele me encontrou.
Dei mais um abraço em meu irmão. No meio do transito. Quase bati a
caminhonete. Obrigado Deus. Uma etapa concluída. Agora só faltava minha
namorada. Enquanto eu pensava nisso, nós seguimos as viaturas em direção a Base
de Aviação do Exército em Taubaté, ou BAVEX. Seguimos as viaturas por caminhos
que nunca vi na minha vida. Estradas de terra cercadas por matos em lugares
totalmente desertos. Fiquei com dó dos carros normais que estavam juntos, pois
as viaturas e a caminhonete eram preparadas para aquele tipo de terreno. Só sei
que de alguma maneira chegamos até o quartel. Ali fui obrigado a deixar a
caminhonete e seguir com os militares em direção ao portão principal.
Eu já havia estado aqui muitas vezes, pois tenho amigos que
trabalham aqui. Ou tinha pelo menos. Dava para se perceber os sinais das coisas
ruins que aconteceram aqui. Havia marcas de sangue por todos os lados. O local
está lotado, são centenas, milhares de pessoas. Segundo a ultima contagem do
exército havia ali mais de quatro mil pessoas. Pouco, comparado a uma cidade de
mais de duzentos e setenta mil habitantes. Os hangares, que antes serviam para
aeronaves, estão abarrotados de pessoas. A todo o momento uma aeronave parte
daqui e outra chega, vinda de algum lugar. Ao olhar para os pilotos que chegam à
gente percebe que as noticias não são boas. Parece que essa merda atingiu o
país inteiro. E até o mundo. Estamos em crise total. Ontem a energia acabou de
vez. O quartel agora mantem seis geradores de ultima geração. Presente do
governo do estado. Até agora nenhum deles demonstrou sobrecarga, sendo que
todos são desligados durante o dia.
Algo está me incomodando. Cheguei a expor minhas opiniões aqui,
mas quem está no comando não deu à mínima. Comecei a agir por conta própria.
Tenho o apoio do meu irmão e mais um grupo de pessoas. Não estou de
brincadeira. É coisa séria...
Sinto algo estranho. Acho que alguma coisa vai acontecer.
Postado 08/08/2012 ás 20h01.
Taubaté-SP
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