Já faz umas duas horas que chove sem parar. Um temporal pavoroso.
Estou escrevendo isso enquanto inúmeros trovões ecoam sobre o céu.
A chuva chegou chegando. Sem dó nem piedade.
Hoje ouvi algo no rádio escondido que tenho aqui. Pessoas ligadas
ao governo do estado de São Paulo sobreviveram e estão tentando tomar medidas
cabíveis para o ocorrido. Mas o mistério de “como mortos vivos estão andando
pelas ruas”, esse ninguém desvendou ainda.
Acabei de voltar de uma visita a cadeia. Por causa de Amanda é
claro. Meu irmão a trouxe até aqui hoje. Ela queria falar comigo. Queria que eu
libertasse Rodrigo e deixasse os dois em paz lá no primeiro prédio do quartel,
longe de mim. Tentei colocar na cabeça dela o quanto Rodrigo estava instável
nos últimos dias. Isso seria perigosíssimo. Mas ela insistiu. Fiz por ela. Não
por ele. Queria distancia dele. No caminho até a prisão eu contei meu plano
para Amanda. Deixei bem frisado que a intenção era executá-lo somente em caso
extremo. Nossa vontade era que nada acontecesse. Mas estaríamos preparados caso
algo acontecesse.
Meu plano é o seguinte: Ele conta com a ajuda do meu irmão e outro
militar de nome Carlos (o mesmo que autorizou meu irmão a retornar e ir até a
casa da minha namorada me encontrar). Os dois conseguiram levar uma viatura
militar até uma área isolada atrás do ultimo andar. Lá nós começamos a encher a
viatura de mantimentos e utensílios necessários para muitas pessoas. A viatura
está escondida e aguardando uma possível fuga de ultima hora. Como eu disse,
espero que isso não aconteça. Mas caso aconteça, nós teremos como fugir. Não
somos egoístas tentando fugir e deixar milhares para trás. Mas também não
podemos contar para todo mundo. Tentamos fazer uma reunião com o tal Major
Almeida, responsável pelo comando do exército, mas ele nem quis nos ouvir. Não
podemos fazer uma assembleia e sair convidando todo mundo para ir embora. Os
militares estão por um fio com toda essa situação dor mortos-vivos. Seria
simples pra eles nos calarem rapidamente por atiçar a multidão com “falsas
teorias”.
Deixei Amanda a par das coisas e a convidei para vir conosco caso algo
acontecesse. Mas ela estava ciente de que eu não iria querer Rodrigo como
companhia. Então era praticamente certo de que ela não viria conosco.
Na entrada da prisão, Amanda, meu irmão e eu fomos abordados por
um militar que rapidamente autorizou nossa entrada. Passamos por uma sala
vazia, viramos a direita num corredor sem portas e a esquerda, onde estavam as
celas. Eram três celas, uma ao lado da outra. Rodrigo estava deitado na cama de
uma das celas, provavelmente dormindo ou fingindo estar, já que o guarda
anunciou nossa chegada antes. Não me aproximei muito. Deixa Amanda se aproximar
e conversar com ele. A conversa durou cerca de cinco minutos. Quando ela voltou
estava com os olhos irritados. Provavelmente havia chorado.
– Ele não quer ser libertado por você. – disse ela.
– Então diga para ele que ninguém mais vai fazer isso por ele. – comentei.
– Eu disse. – falou ela tentando segurar o choro. – ele não quer
ter essa dívida com você.
– Sinto muito moça. – disse meu irmão. – Esse rapaz parece
determinado do que diz. Acho melhor você vir com a gente e esperar ele mudar de
ideia.
– Isso se ele mudar. – ela comentou.
– Venha Amanda. Amanha eu trago você aqui novamente e você
conversa com ele. – disse eu levando ela para fora da prisão.
Passei o resto da tarde conversando com algumas pessoas aqui. É
curioso e assustador saber o que cada uma passou quando viu essas criaturas na
rua. Um cara, Tiago, disse que foi surpreendido no quintal de sua casa pelo seu
tio, que havia virado um morto vivo. Infelizmente seu tio acabou matando seu
pai. Ele fugiu com sua mãe e depois de muito sofrimento foi encontrado pelos
militares próximo a uma faculdade no Bairro Vila das Graças aqui em Taubaté.
Uma moça, chamada Gisele, contou que estava em casa com seu marido quando tudo
aconteceu. Eles fugiram de sua casa com o carro. Ao sair na rua acabaram
atropelando uma pessoa. Quando saíram para prestar socorro viram mais
criaturas, e algumas avançavam em pessoas que corriam pela rua. Em pânico eles
entraram no carro e foi para sua casa, mas não conseguiu chegar, pois o caos
era absoluto. Ela juntou-se a um grupo de cinco sobreviventes e vieram
imediatamente para o quartel, após ideia de um deles.
As histórias mudam de pessoa para pessoa, mas o terror é o mesmo.
Pessoas que morreram por causa da gripe se transformaram em criaturas canibais
e querem matar os vivos. Acho que estou calejado sobre isso tudo. Mas isso não
significa que eu tenha sangue frio. Não tem uma noite que eu consiga dormir
tranquilamente. As imagens desses monstros sempre aparecem em minha cabeça.
Isso também é nítido em todas as pessoas aqui. Todos estão tremendamente
aterrorizados. Mas muitos já entregaram suas vidas nas mãos dos militares. Vejo
que a maioria está mais “tranquila”. Isso é um erro gravíssimo. Mas
infelizmente não posso fazer nada. Pelo menos eu deixei isso bem claro para
aqueles próximos a mim. Não podemos nos acomodar. Tudo mudou. Estamos seguros?
Sim, com certeza. Não sou retardado de dizer que não estamos. Mas 99% da
população de Taubaté virou zumbi e estão sedentos de carne dos “vivos”. Como eu
já deixei bem claro, se toda essa população de mortos vivos decidirem vir para
cá, vai ser um massacre. Infelizmente esse é o meu pensamento. Tudo isso aqui é
uma “falsa segurança”. Temos que acordar para o novo mundo. Um mundo de terror.
Não existe mais trabalho durante semana. Não existe mais futebol aos fins de
semana. Nada do que fazíamos antes existe mais. Agora é só sobreviver e
sobreviver. Cada segundo aqui pode ser o nosso ultimo. Que merda. E pra ajudar
tem essa chuva castigando a todos nós.
Agora a pouco meu irmão veio novamente falar comigo. Não sei como,
mas ele conseguiu alguns mapas. São dois mapas. Cidade de Taubaté e um da
região. Meu irmão é uma mão na roda. Ele tem me ajud...
Estou ouvindo tiros. Bem ao longe. Mas definitivamente são tiros.
Espero que esses militares saibam o que estão fazendo.
Como eu estava dizendo. Meu irmão tem me ajudado muito. Ele...
MEU DEUS! Acionaram o PDA! Alguma coisa está acontecendo! Os
militares estão sendo solicitados no Portão principal. Vou ver o que está
acontecendo...
Que não seja o que eu estou pensando... Não... Não... Não...
Não pode ser!
Postado 10/08/2012 ás 23h18.
Taubaté-SP
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