21° Registro - Sobreviventes - Parte 4 de 4


Já faz umas duas horas que chove sem parar. Um temporal pavoroso.

Estou escrevendo isso enquanto inúmeros trovões ecoam sobre o céu. A chuva chegou chegando. Sem dó nem piedade.

Hoje ouvi algo no rádio escondido que tenho aqui. Pessoas ligadas ao governo do estado de São Paulo sobreviveram e estão tentando tomar medidas cabíveis para o ocorrido. Mas o mistério de “como mortos vivos estão andando pelas ruas”, esse ninguém desvendou ainda.

Acabei de voltar de uma visita a cadeia. Por causa de Amanda é claro. Meu irmão a trouxe até aqui hoje. Ela queria falar comigo. Queria que eu libertasse Rodrigo e deixasse os dois em paz lá no primeiro prédio do quartel, longe de mim. Tentei colocar na cabeça dela o quanto Rodrigo estava instável nos últimos dias. Isso seria perigosíssimo. Mas ela insistiu. Fiz por ela. Não por ele. Queria distancia dele. No caminho até a prisão eu contei meu plano para Amanda. Deixei bem frisado que a intenção era executá-lo somente em caso extremo. Nossa vontade era que nada acontecesse. Mas estaríamos preparados caso algo acontecesse.

Meu plano é o seguinte: Ele conta com a ajuda do meu irmão e outro militar de nome Carlos (o mesmo que autorizou meu irmão a retornar e ir até a casa da minha namorada me encontrar). Os dois conseguiram levar uma viatura militar até uma área isolada atrás do ultimo andar. Lá nós começamos a encher a viatura de mantimentos e utensílios necessários para muitas pessoas. A viatura está escondida e aguardando uma possível fuga de ultima hora. Como eu disse, espero que isso não aconteça. Mas caso aconteça, nós teremos como fugir. Não somos egoístas tentando fugir e deixar milhares para trás. Mas também não podemos contar para todo mundo. Tentamos fazer uma reunião com o tal Major Almeida, responsável pelo comando do exército, mas ele nem quis nos ouvir. Não podemos fazer uma assembleia e sair convidando todo mundo para ir embora. Os militares estão por um fio com toda essa situação dor mortos-vivos. Seria simples pra eles nos calarem rapidamente por atiçar a multidão com “falsas teorias”.

Deixei Amanda a par das coisas e a convidei para vir conosco caso algo acontecesse. Mas ela estava ciente de que eu não iria querer Rodrigo como companhia. Então era praticamente certo de que ela não viria conosco.

Na entrada da prisão, Amanda, meu irmão e eu fomos abordados por um militar que rapidamente autorizou nossa entrada. Passamos por uma sala vazia, viramos a direita num corredor sem portas e a esquerda, onde estavam as celas. Eram três celas, uma ao lado da outra. Rodrigo estava deitado na cama de uma das celas, provavelmente dormindo ou fingindo estar, já que o guarda anunciou nossa chegada antes. Não me aproximei muito. Deixa Amanda se aproximar e conversar com ele. A conversa durou cerca de cinco minutos. Quando ela voltou estava com os olhos irritados. Provavelmente havia chorado.

– Ele não quer ser libertado por você. – disse ela.
– Então diga para ele que ninguém mais vai fazer isso por ele. – comentei.
– Eu disse. – falou ela tentando segurar o choro. – ele não quer ter essa dívida com você.
– Sinto muito moça. – disse meu irmão. – Esse rapaz parece determinado do que diz. Acho melhor você vir com a gente e esperar ele mudar de ideia.
– Isso se ele mudar. – ela comentou.
– Venha Amanda. Amanha eu trago você aqui novamente e você conversa com ele. – disse eu levando ela para fora da prisão.

Passei o resto da tarde conversando com algumas pessoas aqui. É curioso e assustador saber o que cada uma passou quando viu essas criaturas na rua. Um cara, Tiago, disse que foi surpreendido no quintal de sua casa pelo seu tio, que havia virado um morto vivo. Infelizmente seu tio acabou matando seu pai. Ele fugiu com sua mãe e depois de muito sofrimento foi encontrado pelos militares próximo a uma faculdade no Bairro Vila das Graças aqui em Taubaté. Uma moça, chamada Gisele, contou que estava em casa com seu marido quando tudo aconteceu. Eles fugiram de sua casa com o carro. Ao sair na rua acabaram atropelando uma pessoa. Quando saíram para prestar socorro viram mais criaturas, e algumas avançavam em pessoas que corriam pela rua. Em pânico eles entraram no carro e foi para sua casa, mas não conseguiu chegar, pois o caos era absoluto. Ela juntou-se a um grupo de cinco sobreviventes e vieram imediatamente para o quartel, após ideia de um deles.

As histórias mudam de pessoa para pessoa, mas o terror é o mesmo. Pessoas que morreram por causa da gripe se transformaram em criaturas canibais e querem matar os vivos. Acho que estou calejado sobre isso tudo. Mas isso não significa que eu tenha sangue frio. Não tem uma noite que eu consiga dormir tranquilamente. As imagens desses monstros sempre aparecem em minha cabeça. Isso também é nítido em todas as pessoas aqui. Todos estão tremendamente aterrorizados. Mas muitos já entregaram suas vidas nas mãos dos militares. Vejo que a maioria está mais “tranquila”. Isso é um erro gravíssimo. Mas infelizmente não posso fazer nada. Pelo menos eu deixei isso bem claro para aqueles próximos a mim. Não podemos nos acomodar. Tudo mudou. Estamos seguros? Sim, com certeza. Não sou retardado de dizer que não estamos. Mas 99% da população de Taubaté virou zumbi e estão sedentos de carne dos “vivos”. Como eu já deixei bem claro, se toda essa população de mortos vivos decidirem vir para cá, vai ser um massacre. Infelizmente esse é o meu pensamento. Tudo isso aqui é uma “falsa segurança”. Temos que acordar para o novo mundo. Um mundo de terror. Não existe mais trabalho durante semana. Não existe mais futebol aos fins de semana. Nada do que fazíamos antes existe mais. Agora é só sobreviver e sobreviver. Cada segundo aqui pode ser o nosso ultimo. Que merda. E pra ajudar tem essa chuva castigando a todos nós.

Agora a pouco meu irmão veio novamente falar comigo. Não sei como, mas ele conseguiu alguns mapas. São dois mapas. Cidade de Taubaté e um da região. Meu irmão é uma mão na roda. Ele tem me ajud...

Estou ouvindo tiros. Bem ao longe. Mas definitivamente são tiros. Espero que esses militares saibam o que estão fazendo.

Como eu estava dizendo. Meu irmão tem me ajudado muito. Ele...

MEU DEUS! Acionaram o PDA! Alguma coisa está acontecendo! Os militares estão sendo solicitados no Portão principal. Vou ver o que está acontecendo...

Que não seja o que eu estou pensando... Não... Não... Não...

Não pode ser!

Postado 10/08/2012 ás 23h18. Taubaté-SP

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