20° Registro - Sobreviventes - Parte 3 de 4


Estou angustiado. Não consigo dormir. Preciso encontrar minha namorada.

Nos últimos dias não parei de pensar em minha namorada e na possibilidade de ir encontrá-la. Será que ela e seus familiares conseguiram chegar ao sitio do seu tio? Isso é uma nova esperança para mim. Mas existe um empecilho. Os militares não deixam ninguém sair daqui. Já que a cidade caiu, eles assumiram o comando. Eles são a autoridade. E deixaram bem claro que quem desobedecesse iria sofrer as consequências. Que desgraçados. O mundo se acabando nessa porcaria toda e eles resolvem criar problemas com os sobreviventes.

O silencio da noite é perturbador. Só ouço os passos dos guardas, que estão de sentinelas, andando de um lado para o outro. Estamos alojados no ultimo hangar do quartel. Eu preferi assim, bem longe da entrada. Por quê? Por causa de uma pequena teoria que tenho.

Algo que compartilhei com muitas pessoas para ver se resolvia algo, mas que não deu em nada. Somente meu irmão aderiu a minha causa. Diz ele que vai conversar com mais pessoas sobre isso. O problema é o seguinte: Quando chamei a atenção das criaturas na rua da casa da minha namorada, elas foram atraídas pelo som e seguiram meu carro. Esses seres são atraídos por barulho. Isso é totalmente confirmado. Veja bem, estamos todos empipocados aqui. Segundo os militares são mais de quatro mil pessoas espalhadas em todo o quartel, contando com as vilas militares, que são as casas dos miliares, que também estão servindo de abrigo, principalmente para os mais velhos e os militares é claro. O alvoroço é enorme. O falatório chega a irritar. Fora as aeronaves que partem e chegam quase todo o dia. (Apesar de que desde ontem a tarde nenhuma aeronave chega até aqui). O que será que pode ter acontecido? Infelizmente hoje em dia só se pode pensar o pior.

Onde eu quero chegar com minha teoria? Tenho a leve impressão de que todas as criaturas da cidade estão sendo atraídas para cá. Os militares dizem que isso é impossível, mas caso aconteça estarão totalmente preparados. É isso que tira o meu sono. Não creio que eles estejam preparados. Precisamos pensar em alguma coisa. Temos alguns planos em mente caso aconteça uma tragédia.

***

Todo mundo gosta de estar certo em uma discussão. Ouvir a deliciosa frase: “Tá ok, você tem razão. Desculpe-me”. Nesse momento, eu odeio estar certo. E com certeza futuramente lamentarei muito por ter tido a razão.

Nessa madrugada, por volta de cinco ou cinco e meia da manhã, ouvimos tiros. Desde que cheguei aqui, há mais de três dias, não acontecia algo assim. Foram dos dois lados. Do lado da entrada e da parte de trás onde fica a estrada de terra que leva para a zona rural da cidade. A parte de trás fica a menos de duzentos metros de onde estou. Então foram totalmente impactantes os tiros que ouvi. A agitação no meio dos militares era intensa. Rapidamente peguei o radio que havia ganhado do meu irmão. É um rádio usado na comunicação entre os militares. Quando coloco os fones de ouvido e fico na minha, no meu canto, eu ouço todas as conversas entre eles. Desde coisas sérias até bobeiras. Meu irmão me deu esse radio escondido e disse que eu não poderia deixar ninguém ver. Caso encontrassem, ele não saberia de nada. Mas com certeza eu não o entregaria. Por falar no rádio, sempre era citado o nome de um determinado militar. Major Almeida. Sempre era Major Almeida pra lá, Major Almeida pra cá. Major Almeida mandou isso, Major Almeida mandou aquilo. Major Almeida não vai gostar, Major Almeida tem tudo no controle. Quase em todas as conversas os militares citavam o bendito Major Almeida. Certa hora eu o ouvi falando no rádio. Deu instruções para uma tropa se mover do portão principal para o alto do morro, na rua. Ele tinha uma voz grave e pesada, como alguém bem severo e carrancudo.

Naquela hora pude ouvir tudo o que estavam conversando. Primeiro foi uma equipe que estava no centro de Taubaté. Eram cerca de dez militares que estavam encurralados na igreja da Praça Dom Epaminondas. Depois de quinze minutos começou um tiroteio no radio e minutos depois cessou. Ou não havia mais em quem atirar, ou não havia mais atirador. Era aterrorizante. Depois foi a vez da equipe “Alfa” que faz a guarda no topo da rua que vai para o quartel.  Veja bem, para se chegar ao quartel de Taubaté, você segue uma enorme avenida. Entra na estrada dos Remédios e desce um morro gigantesco até se aproximar da entrada principal. O PP como eles chamam. Portão Principal. No topo do morro havia uma equipe que fazia a segurança inicial. Eles estavam relatando no radio a aproximação de cerca de vinte “monstros”. Era como eles chamavam. Foi então que o tiroteio começou, após o comandante liberar o “abrir fogo”. Dava para ouvir de onde eu estava e por sinal era muito longe. Pouco depois começaram os tiros próximos. Os militares viram a aproximação de duas criaturas pela estrada de terra e abriram fogo. Isso foi repreendido pelo comandante mais tarde, pois para ele duas criaturas seriam fáceis de matar com golpes e não com tiros. Depois disso ninguém mais dormiu. Meu irmão, que ia pra lá e pra cá, conseguiu dar um tempo e parar para conversar comigo.

Ele me contou o que eu já imaginava que poderia ter acontecido. Os militares que foram encurralados na igreja caíram. A equipe “alfa” conseguiu deter as vinte criaturas que se aproximavam. A segurança no topo do morro foi reforçada com mais dez militares. E na parte da estrada de terra colocaram mais quatro militares, juntos com os outros três que sempre ficavam ali. Ele também disse que vai deixar nosso plano pronto para ser executado. Agora ele também teme que alguma coisa possa acontecer.

Desde então as pessoas estão inquietas. O clima ficou pesado aqui. Ninguém quer informar nada. Estamos todos indo para a merda e os militares querem guardar segredo disso. A manhã chegou totalmente nublada e com nuvens bem pesadas no céu. Creio que vai vir um temporal.

Mais um acontecimento muito interessante aconteceu. Quando meu irmão veio até mim cerca de dois dias atrás, dizendo que novamente teria que ir com uma equipe de busca por sobreviventes na cidade, eu indiquei um local para ele. O condomínio Fortaleza. Onde estavam escondidos Rodrigo e Amanda. Os dias passaram e eu acabei por esquecer se meu irmão havia tido sucesso na missão. Vê-lo voltar vivo já era um alivio total para mim. Cada vez que ele tinha que sair eu ficava totalmente preocupado e apreensivo. Coisa de irmão mais velho. Foi então que ele comentou comigo que outra equipe acabou indo até o condomínio e que lá encontraram dois jovens sobreviventes.

– Os trouxeram para cá? – perguntei.
– Sim. – respondeu meu irmão. – A moça está passando por alguns exames, pois estava com muitos hematomas no corpo. Já o rapaz...
– Já o rapaz o que? – perguntei aflito.
– O rapaz está preso.
– Preso?
– Sim. Preso. Ele tentou agredir dois militares e atirou contra um deles. – os relatos do meu irmão eram impressionantes. – Sorte o rapaz ser ruim de mira. Foi pego por dois militares antes de disparar outro tiro. Agora está na prisão que temos aqui. Lá no QG. (Quartel General).
– Mas ele é menor de idade. Não pode ficar preso. – indaguei.
– As coisas não são mais como antigamente, Gabriel. – disse meu irmão. – O rapaz é o menor dos problemas que temos aqui. Qualquer pessoa maior de idade pode libertá-lo se prometer colocar o rapaz na linha. Mas espero que você não vá fazer isso. Se esse rapaz fez o que você me contou que ele fez, eu nem olharia na cara dele.
– Não vou libertar um cara que tentou me matar. – comentei. – Mas temos que entender que tudo isso é fruto de um trauma recente. Tenho dó dele.
– Tenha dó a distancia, Gabriel. – disse meu irmão. – Preciso ir agora. Arrumei mais algumas pessoas para nosso plano. Mais tarde a gente conversa. Hoje à noite estarei de guarda onde você está dormindo. Abraço.

Abracei meu irmão e ele partiu. Nosso plano era arriscado. Talvez nem chegue a ser executado. Para o bem de todos é claro. Vou desligar o notebook. Preciso conversar com meu irmão que acabou de entrar no posto de sentinela aqui no Hangar.

Porem, eu tenho que ficar atento. A qualquer momento pode ser a hora de agir.

Postado 09/08/2012 ás 20h01. Taubaté-SP

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