15° Registro - Planos frustrados - Parte 2 de 3


Assim que me aproximei do quarto e percebi o que havia levado Rodrigo ao desespero, eu fiquei paralisado. Minhas pernas endureceram e fiquei sem reação.

Deitada na cama estava à mãe de Rodrigo. Corrigindo. Aquilo estava longe de ser a mãe de Rodrigo. Longe de ser a mãe amada, carinhosa, cuidadosa, protetora do lar e amiga. Naquele momento eu me lembrei de minha mãe. O coração encolheu e os olhos lacrimejaram. Graças a Deus minha mãe não estava mais ali para vivenciar esse momento. O olhar triste que aquela criatura lançava para Rodrigo era de arrancar o coração fora e pisar em cima. Deitada na cama ela estava impossibilitada de fazer qualquer movimento. O corpo magro, dando pra ver cada osso, as veias estouradas e o olhar vazio e sem vida. Ela tentava se mexer e com isso lançava gemidos de uma dor insuportável que talvez pudesse estar sentindo. Virei o rosto. Chorei.

Rodrigo estava caindo em lagrimas. Chorava mais alto, talvez tentando encobrir os constantes gemidos daquela que outrora fora sua mãe. Eu não sabia o que fazer. Ouvi César buzinando e aquilo foi uma deixa pra eu sair. Desci as escadas, sai na rua e vi que ao longe algumas criaturas estavam caminhando na direção da casa. Pedi para César trancar o carro e entrar comigo na casa. Com um tom de morte na voz eu contei para César o ocorrido e juntos ficamos ali na sala da casa.

Eu estava sem coragem para subir e falar com Rodrigo. Não tinha atitude e muito menos palavras. Pensei em minha namorada, meu irmão e chorei novamente. O tempo passou. Rodrigo já estava lá em cima um bom tempo. Eu estava começando a ficar preocupado. Quando eu resolvi fazer alguma coisa, falar com Rodrigo, eu ouvi o som que cortou ainda mais meu coração. Um tiro. O som do tiro ecoou por toda a casa. César, que estava dormindo no sofá, levantou no susto.

– Fique ai. – disse eu. – Vou ver o que aconteceu.

Subi as escadas rapidamente. A porta do quarto da mãe de Rodrigo estava semiaberta. Me aproximei lentamente. Tampei o nariz com a camiseta e comecei a abrir a porta bem devagar. Aquele som de porta rangendo era desesperador. Fiquei chocado quando abri a porta por completo. Ali na cama jazia a mãe de Rodrigo, morta com um tiro na cabeça. Rodrigo não estava ali. Ouvi um barulho que vinha do quarto ao lado e fui verificar.

– Rodrigo? – chamei. Não respondeu.

Bati na porta, mas novamente ele não respondeu.

– Estou entrando.

O quarto de Rodrigo era típico de um garoto de dezessete anos. Computador, TV, vídeo game, desenhos de mangá espalhados pelo quarto, CD’s de música e um violão atrás da porta. Rodrigo estava agachado mexendo numa caixa de sapato do lado da cama.

– Rodrigo. Você quer conversar? – ele não respondeu. Me aproximei mais. – Cara... Eu sinto muito. – Rodrigo não falava nada. Me aproximei mais e coloquei a mão no ombro dele. – Velho... Quer falar alg...

Fui surpreendido por Rodrigo que se virou com tudo e acertou um soco de esquerda no meu rosto. Cambaleei dois passos para trás e, assim que olhei para Rodrigo, ele estava apontando a arma em minha direção.

– Some da minha casa seu desgraçado! – disse Rodrigo num tom sinistro.
– Mas que droga é essa cara? – perguntei assustado ao ver a cena.
– SOME DA MINHA CASA SEU DESGRAÇADO!
– Porque isso Rodrigo? O que está acontecendo?
– A culpa é sua seu merda! A culpa é toda sua!
– O que eu fiz?
– Você ficou enrolando para sairmos daquela bosta de apartamento! Isso custou à vida da minha mãe!
– A culpa é minha? Você está maluco? Abaixa essa arma pra conversarmos direito!
– Só vou abaixar a arma quando você sumir da minha frente!
– Não podíamos sair correndo feito loucos do apartamento cara. Seria suicídio. A porcaria do mundo não é mais o mesmo. Isso custaria a minha e a sua vida.
– Minha vida? Sua vida? Dane-se você seu merda! Minha mãe morreu por causa da sua idiotice de ficar esperando o momento certo! Eu queria vir correndo imediatamente pra cá! Eu queria mãe... Eu queria vir rápido... – disse Rodrigo pra si mesmo. – Eu queria te salvar... Eu queria... Mas esse desgraçado me impediu! Maldito! Filho de uma p...

– O que está acontecendo aqui? – César entrou no quarto e ficou chocado ao ver Rodrigo apontando a arma pra mim. – Quem matou a mulher ali no outro quarto?
– Espera lá embaixo César. Rodrigo está um pouco alterado. Foi ele quem atirou. – comentei.
– Calma ai garoto. O que está acontecendo? – perguntou César novamente se aproximando.
– Fique quieto ai parceiro! – gritou Rodrigo.
– César! Espera lá embaixo! Vamos resolver a situação aqui e já estamos descendo. – disse eu sem tirar o olho de Rodrigo.
– Mas porque ele está fazendo isso? Por causa da mãe dele? – perguntou César.
– Cale sua boca! Não fale da minha mãe seu maldito! – gritou Rodrigo apontando a arma para César.
– César! DROGA! Espere lá embaixo! – também gritei!
– O garoto tem que entender que o mundo é assim agora. – continuou César. – Estamos sujeitos a perder nossos entes queridos. Não podemos nos revoltar com isso. Temos que erguer a cabeça e prosseguir. Você fez um favor a sua mãe. Tirou ela do sofrimento de ser uma daquelas criaturas.
– CALE A SUA BOCA! – gritou Rodrigo. – Não ouse falar novamente da minha mãe. – Rodrigo estava totalmente alterado. Naquele momento ele começou a chorar.
– VIRE HOMEM SEU MOLEQUE! – gritou César. – Temos que superar isso! Agora só porque sua mãe virou um zumbi e você teve que atirar nela não significa que voc...

Imediatamente uma pequena mancha vermelha e negra brotou no meio da testa de César. Um considerável buraco abriu na parte detrás de sua cabeça fazendo seus miolos manchar toda a parede que estava atrás dele. César caiu imóvel no chão e com os olhos esbugalhados. O tiro dado por Rodrigo foi certeiro. Da arma ainda saia uma pequena fumaça. Eu não tive tempo nem de piscar. Num segundo César estava falando e no outro estava espatifado no chão, morto por um tiro na cabeça.

– MERDA Rodrigo! Que porra foi essa? Você matou o cara! – gritei eu colocando as mãos para cima. Naquele momento eu não sabia o que Rodrigo era capaz de fazer.
– Eu mandei ele não falar da minha mãe. Desgraçado! Mereceu! – disse Rodrigo, como se aquilo fosse a coisa mais normal do mundo.

Fiquei calado. Qualquer coisa que eu dissesse poderia ser minha sentença de morte. Rodrigo continuava a apontar a arma em minha direção. Ficamos olhando um para o outro por longos segundos. A mão que ele segurava a arma tremia. Ele chorava muito. Foi então que ele fez um movimento inesperado. Com a manga da camiseta ele limpou rapidamente os olhos lacrimejados. Esse movimento durou apenas um segundo. Mas foi o suficiente pra eu fazer o que acabei fazendo. Eu tive que arriscar. Foi estupido e idiota da minha parte. Porem, naquela situação, eu não tinha certeza se sairia vivo dali. Rodrigo acabara de matar a mãe e um homem desconhecido. Não seria surpresa se ele me matasse também. Assim que ele levou a mão aos olhos e me perdeu de vista por um segundo, eu reagi.

Quando Rodrigo abriu os olhos e olhou novamente pra mim, se assustou e atirou. O tiro acertou a parede a minha esquerda. Com a mão esquerda eu segurei a mão que ele segurava a arma. Ele tentou reagir, mas eu o acertei com um rápido soco de direita. O pobre garoto desmontou na hora. Bateu a cabeça num criado mudo ao lado da cama e desmaiou. Então eu chorei.

Rodrigo havia virado um grande amigo. Um rapaz gente boa, extrovertido e companheiro. Os acontecimentos dos últimos quatro minutos foram o suficiente para mudar tudo. Tirar a vida da própria mãe foi muito para um garoto de dezessete anos. Atirar pela primeira vez e contra a mulher que ele mais amava nessa vida foi a gota d’agua para tanto sofrimento que ele estava tendo nos últimos dias. Isso nitidamente o transformou. Porem, tirar a vida de um homem indefeso só porque ele falou de sua mãe foi inaceitável. Rodrigo estava fora de si. Isso era triste. Esse era o novo mundo. O mundo dos mortos. Qualquer coisa poderia alterar o caráter de um homem num piscar de olhos.

Peguei Rodrigo e o deixei deitado em sua cama. Verifiquei se havia acontecido algo de mais grave. Nada. Peguei sua arma e fui saindo do quarto. Foi então que eu ouvi um grito, de mulher, vindo da rua. Corri para olhar pela janela. Abri lentamente a cortina e vi a cena horrível que estava acontecendo. A casa de Rodrigo fazia fundo com a rua detrás. Da janela eu podia ver as casas em frente. Do outro lado da rua, duas casas a direita era onde tudo acontecia. Um Honda Civic preto estava parado no meio da rua. Um homem estava do lado de fora do carro com um pedaço de pau na mão. Tentava acertar dois zumbis que se aproximavam dele. Dentro do carro estava uma menina, possivelmente a filha do homem. Ela estava deitada no banco traseiro, com medo. Entrei em desespero, pois o homem não viu que mais três zumbis se aproximavam por detrás do carro. Não creio que eles estavam querendo uma carona.

A cena era aterrorizante. Um zumbi se aproximou e tomou uma paulada certeira na cabeça. Mas outro, que o homem não viu, o agarrou e avançou contra seu ombro. Foi uma mordida certeira. O grito do homem penetrou meu ouvido. Era algo anormal.

- A arma filha! A arma! – gritou o homem empurrando o zumbi e tentando se reaproximar do carro.

A menina não tinha reação, e não a culpo por isso. Será que eu teria reação? Será que eu seria tão macho assim numa situação como aquela? Talvez eu fizesse o mesmo que a menina. Me escondesse. O homem se aproximou do carro e abriu a porta do motorista. Agachou-se e pegou uma arma, e se virou para atirar. Porem foi surpreendido por um zumbi que saltou sobre ele. Ele teve tempo de disparar a arma duas vezes, em vão. Outro zumbi se aproximou e agarrou o homem, que não tinha mais forças para nada. Fechei a cortina, não queria ver aquele inferno. Tampei os ouvidos assim que começaram os gritos. O homem havia morrido. Fiquei assim por alguns minutos. Então decidi olhar novamente. Eu sei o que veria e não seria nada agradável. Era impressionante. Os zumbis dilaceravam o pobre homem como se fosse nada. Uma cena que não sei se vou esquecer um dia. Mas para a minha surpresa algo tinha acontecido. A menina não estava no carro. A porta detrás estava aberta. Ela não estava em parte alguma. Algo indicava onde ela poderia ter ido. Alguns zumbis caminhavam para a varanda da casa dela, e sons, sons de batidas. Zumbis estavam batendo na porta da casa dela. Talvez ela tenha escapado e entrado na sua casa. Pobre menina, ficar lá sozinha. Pelo menos estava viva.

Não somos os únicos “vivos” nesse inferno. Primeiro César, agora essa menina. Não sei se isso é uma vantagem. Estou pensando no que fazer. Será que devo ajudar a menina? Será que terei coragem?

Postado 04/08/2012 ás 22h34. Taubaté-SP

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